30 de outubro de 2012

me enrijeci para ser imagem-semelhante de um obscurantismo que desconhecia. conheci e ainda desconheço; tão próximo estive da morte que me fiz pedra. pedrei, perdi meu perdão: Pedro quem me faz desobscuro. tão desconhecido eu próximo da morte - que rima pobremente com sorte, veja lá por quais corpos a língua percorre -, tão próximo do que fui conhecido, que corpo me enrijeci, como feto duro que ficou ali, sendo pedra na barriga de outra pedra. tão desconhecido estava eu da sorte que me fiz perda, Pedro a barriga de quem se fez perda. dei luz a uma bela semelhança que chamo de Pedro e que agora se perdeu no obscuro conhecido do útero que não tenho, feto morto que não nasceu além da lucidez.

20 de outubro de 2012

mplexo

quero braços de madeira para ouvir a surdez dos membros ao se chocarem com outros braços de madeira.

11 de outubro de 2012

Amantes


não percebes que sou Coisa?
também me coisifico, Tu me torno.
não percebes que és coisa?
venho de outro lugar, lá reina a morte.
sou também Morte.
sou coisa, logo morro?
e também mata.
e por que Te mato?
para enamorar-te de ti.
detido sou, venho de outro lugar. De Ti?
não sou mãe.
volto à origem?
não creias que exista um lugar que seja somente teu.
que tenho?
corpo.
que sou?
objeto Meu.
quem sou?
respondo incompleto: tu não Me és.
me amas?
és Meu, não Me és.
não compreendo.
fazes bem.
não compreendo.
não te amo.
que faço com o desamor?
ame-o.
posso?
reduzido à coisa, como amarás?
Tu não me amas, mas me tens. tenho eu a Ti?
tens tu a falta?
trago-a.
ela falta?
Tu me faltas.
amas a Mim?
Tu me faltas, Coisa.
faltas-me tu, símbolo.

3 de outubro de 2012

acordo cedo, nunca tive galinha pra dizer que levantamos juntos, acordo, tomo meu café, como meu pão, tudo meio sem vontade, sabe?, o céu ainda escuro, e eu ainda com sono, mas já estou de pé, tenho que trabalhar, vou ganhar a vida com o quê?, acordo, café, em pé, pão, pressa pra sair cedo, assim mesmo, numa pressa, nunca pensei que ia ser assim. quando era moleque sempre tive tudo na mão, mas daí mãezinha morreu, paizinho morreu junto, ficou triste demais, coitado, me deixou aqui, também triste demais, sem saber o que acontecia direito, mas tou aqui, acordado, meio dormindo de olho aberto, de pé, com pressa, não tive tempo pra pensar nisso direito, esse negócio de morte, só fiquei triste porque tinha que ficar e pronto, nem sei se tinha mas fiquei, saí da casa deles pra ir morar com uma tia. na casa da minha tia até que era bom, tinha tudo na mão, ela gostava de mim, gostava e dizia que fazia o que fazia "pelo seus pais", engraçado, né?, nunca pedi, cuidou de mim porque quis, e eu deixei, só fui acolhido porque senão ficaria lá que nem bicho, triste demais, sem pressa naquela época, tudo na mão, menos os pais que estavam aos pés, mas de resto, resto cabe na mão inteira, assim, ó, palma toda aberta. daí que fui morar lá com a tia, nem lembro mais o nome, faz tanto tempo, fui morar lá com a tia, estudei em uma escola que tinha perto, tive que parar depois, adivinha, a tia morreu. eu era moleque ainda, estudava, foi numa tarde que eu tava voltando da escola cansado, tinha aprendido umas coisas novas, tava cansado, de manhã já tinha ficado em casa pra ajudar a tia com a casa, comida, limpeza, essas coisas, tava eu voltando para casa, abri a porta, a tia lá, no chão, de novo?, mas que coisa, mais um aos meus pés, que mão aberta que a tia foi pra mim, até cuidou de mim, não sei com qual culpa, mas cuidou, e agora?, fiquei lá, triste, mas não igual a bicho dessa vez, já era homem, era moleque também, mas pelo menos já tinha um pouco de experiência nesses negócios de morte, e aí que eu não lembro muito bem como é que foi, apareceu do nada umas filhas dessa tia, primas minhas, vê se pode, nunca soube delas, chamando pela mãezinha, uma gritaria só, esse pessoal ausente é meio escandaloso, né?, cê já reparou? só morrendo pra ficar perto mesmo, nunca vi. a tia às vezes falava mesmo de umas raparigas que nunca voltavam, devem ser elas. elas me deram um dinheiro pra eu me virar, que coisa boa, já pensou, a tia cuidou de mim por culpa, ganhei um troco pra sumir da vida daquelas primas, ô povo da mão aberta. cada prima boa, se a tia me ouvisse agora acho que tinha um troço, mas cada filha que ela tinha. é pecado, é? esse negócio de achar prima bonita? por mim, casava com elas tudo. mas não tive nem vez, né, esse povo que vem de longe tem qualquer coisa de estranho, já foram me mandando caçar rumo, me virar. me virei, não era pra ter me virado, então, comecei a trabalhar no gás que tinha por perto, tou lá até hoje, tou acordando cedo porque a gente começa a fazer as entregas numa cidadezinha que tem aqui perto, a gente vai de caminhão, a gente eu digo uns caras lá, tudo moleque, os caras não têm experiência com esses negócios de morte, não falam de tia, nem de rapariga, nem de pai, nem de mãe, todo mundo lá preocupado com o gás, sabe como é que é, esse negócio explode, um dia mesmo fiquei sabendo de uma dona que morreu porque o botijão estourou quando ela tava mexendo com o fogão, fiquei até preocupado, a dona era conhecida minha, me dava uns trocados a mais, falava que eu era diferente, devia gostar de mim, fiquei triste demais, e agora?, e agora nada, morreu, tá no pé, que mais fazer?, nada, né?, e aí que a gente vai lá pra cidadezinha bem cedo, céu escuro ainda, na maior pressa, mal como meu pão, mal tomo meu café e já tou saindo. naquele buraco lá a gente nem liga o anúncio, só o barulho do caminhão já faz sinal pro povo ir pedir gás, deve que acordar, né?, é engraçado, o povo tudo com sono gritando da janela ô do gás, aqui! daí é aquela coisa: troca o gás na pressa, joga uma água na mangueira que liga com o fogão, se fizer bolha, é porque ficou frouxo, tem que apertar mais, se não, tá pronto, cinquenta reais, bom dia, boa noite, não sei que hora é, tchau. e é assim até ficar mais claro, sabe, o céu. daí é aquela coisa, liga o anúncio, o caminhão vai passando, tris-te-za gás, a gente lá com aquela cara cansada atrás do caminhão, e povo vai aparecendo na janela, ô do gás, aqui!, e assim vai. até que não é ruim, essa vida de viver de gás. não deu pra estudar tudo até o fim, mesmo hoje acho que não ia dar, já tou até acostumado com o gás, até gosto, pra falar verdade, trabalho que nem bicho, chego cansado em casa, só com o dinheiro de comer e de morar, mas não tou reclamando não, até que tá bom assim. só me dá um negócio quando eu penso que pode acontecer de um dia eu estiver em casa, assim, mexendo com o fogão, e o botijão explodir. e aí, credo, fico triste demais, e aí eu penso, cadê as primas, vou deitar no pé de quem?