30 de julho de 2013

vem o estrangeiro todo antiquado arrastando uma língua que só era dita em tu vós me convocando a dizer eu nós mas que não me parecia reta resolvemos ter três encontros na tentativa de tornar próprio o parecer de cada então

existência foi dizer que o eu não era mentira tão assim desgraçada de verdade que muito pelo contrário era necessidade mais íntima pra aparecer um pouco de sujeito com imagem especular e eu debochei do especular espelho especular negócio mas prosseguiu firme na sua postura dizendo que o sujeito então imagem era conhecedor de territórios e continentes e pessoas e nações se reflexo de si não sei

palavra foi mostrar que o terceiro dito excluído de fato nunca o fora não por não ter sido convidado à festa lógica mas porque nunca esteve presente nas tábulas antigas sempre se firmando numa ausência e eu concordei dizendo que ética não implica em obediência mas sim crueldade sincera e assim chegamos num possível consenso unicamente para evidenciar que eutunósvós não faz comunicação e se ela existe é carente de alguém a mais

pensamento foi como previsto agressão ao me acusar então de ser estrangeiro também dentro do meu sotaque forçado e movido pela ofensa eu perguntei pelo rosto que lhe cabe se é tão infinito e tão externo à totalidade - e ele assim fez silêncio - e eu pedi desculpas pela luta e me rendi à anomia constatando que eu também não tinha casa além da suposta hospitalidade que esperava do outro ao me dar o seu nome secreto.

24 de julho de 2013

(apresentação)

nas obviedades: dos cheiros, odor. dos hálitos, gosto. dos panoramas, vista. dos demônios, voz. da ruga, superfície.
na sinestesia: dos cheiros, vista. dos hálitos, odor. dos panoramas, voz. dos demônios, superfície. da ruga, gosto.
nas repetições: dos cheiros, superfície. dos hálitos, voz. dos panoramas, odor. dos demônios, gosto. da ruga, vista.
no espanto: dos cheiros, voz. dos hálitos, vista. dos panoramas, superfície. dos demônios, gosto. da ruga, odor.

20 de julho de 2013

Abecedário

A
301.0

1. desconfiança imaginária. mas ó, fica ligado que.
2. muita nóia pra qualquer brodagem.
3. medo da treta miar e aí só caô pra cima de neguinho.
4. sabe as entrelinhas? bagulho é sério.
5. malandro é malandro, mané é mané.
6. tá olhando o quê? pipoco na fuça se demorar muito aqui no baculejo.
7. butuca na área do vacilo.

301.20

1. cada qual no seu cantinho.
2. bloco do eu sozinho.
3. sexo só com mundos e fundos.
4. síndrome de macabéa.
5. amigos se contam nos dedos de uma mão amputada.
6. se sua estrela não brilha, não me faz diferença.
7. o inverno é mais igual.

301.22

1. je avesso de moi.
2. uma vez, passei debaixo de escada, dormi com gato preto, penteei meu cabelo frente ao espelho que quebrei, deixei chinelo de cabeça pra baixo, abri guarda-chuva dentro de casa, tive o pé varrido. nada aconteceu. mas não faço caretas ao deus-vento.
3. bad trip sem tóxicos.
4. é-se gente. mora-se na casa. trabalha-se no prédio.
5. não óia pra nóia.
6. se o rebanho estourar, haverá dispersão?
7. tão único e distinto como se fosse uma obra.
8. inscrição cancelada no círculo social.
9. atualização do mesmo mesmo para sempre.

B
301.7

1. lei sou eu quem faz.
2. pessoas como extensão do próprio braço.
3. na pira de fazer, não tem pensamento que acalme.
4. heteroagressão dá um tesão.
5. sua liberdade acaba onde a minha também começa.
6. formação de descompromisso.
7. a fala que se emite sob tortura é a mais doce e amorosa que se pode ouvir.

301.83
1. o desamparo é o amparo.
2. kabuki é intenso, mas não se equipara ao teatro do absurdo.
3. a imagem do espelho nunca é, nunca foi, nunca será, correspondente à imagem que se vê no espelho.
4. muito: abuso. pouco: abuso.
5. ideação do suicida mais ideal que o suicídio.
6. tremor no chão dá uma sensação boa de vôo.
7. o vazio, que não é o nada, é tocado, mas a experiência não é temporal.
8. pavio curto para parafina longa.
9. dissolução em qualquer borda.

301.50
1. centro dos centros dos centros dos centros (...).
2. seduz o reino mineral, vegetal e animal.
3. desce-sobe emocional consigo & conosco.
4. o pênis perdido está: no todo do cabelo, na dobra das orelhas, na cor da boca, no traçado dos olhos, no colo delimitado, nos braços pictóricos, nas pernas bem feitas, nos pés que mais são armas, na circularidade das nádegas, no vinco das costas, nos fios tímidos da nuca, etc.
5. discursa sobre tudo. opina sobre tudo. argumenta sobre tudo.
6. oh! (põe o dorso da mão na testa enquanto escorre pelo canto do olho um chorinho forçado mas não menos sincero)
7. vai fácil, volta fácil.
8. amante das relações, não das pessoas.

301.81
1. espelho, espelho meu! existe alguém mais _____ do que eu?
2. money! success! fame! glamour!
3. vencedores só se dão com vencedores.
4. bésame. bésame mucho.
5. “depois você olha no meu lattes.”
6. esporte: alpinismo social.
7. a maçã cai por haver uma força vertical de sentido descendente: não: a maçã cai porque cai.
8. não negue: todo mundo tem inveja. inclusive você. de mim.
9. “não tenho culpa se eu sou melhor que você.”

C
301.82

1. não há domesticação possível ao bicho-gente: melhor evitar.
2. não se sabe o que o bicho-gente come: melhor evitar.
3. bicho-gente age com naturalidade: melhor evitar.
4. na cruz só cabe jesus: melhor evitar.
5. fora d’água, só ar: melhor evitar.
6. luz no final do túnel, só de lanterna: melhor evitar.
7. literatura antropofágica do movimento modernista:

301.6
1. entre casar e comprar uma bicicleta: enquete: caso ou compro bicicleta?
2. súdito dos reis que não reinam.
3. sim, senhor, não, senhor: manda aqui, obedece de lá. (nota: não necessariamente requer recompensas.)
4. antes de usar a bicicleta (ou de casar), vamos ler o manual: quem sabe, assim, quando, se houver, pode ser que.
5. "bonzinho demais".
6. não me deixe só / eu tenho medo de escuro
7. cola no novo pra não perder o velho.
8. e se eu cuidar de mim, quem vai me cuidar?

301.4
1. amor de cu.
2. amizade íntima com instrumentos de medida.
3. chato laboral.
4. código de ética andante.
5. quinquilharias, bugigangas, bagatelas, miudezas, ninharias, nugas, frivolidades, baganas, mixarias, futilidades, insignificâncias: mesmo amor a cada objetinho.
6. transigência não é regra, é lei.
7. teste do sonrisal: ponha um sonrisal na mão. feche a mão. atravesse um rio. abra a mão. (neste caso, obviamente, ele não se dissolve.)
8. esparta se situa dentro do peito.

18 de julho de 2013

erotomania

tudo, sem excesso. o excesso é próprio do ex-. cesso: todos.
logo, nenhum, mas todos; mais exatamente, aquele todo que se situa no mundo e no para-além da diferença, puro infinito dissolvido em qualquer espaço apresentável (ou que tenha se feito apresentação)
me amam me devoram me veneram me contemplam me preenchem me circundam me adoram me figuram me são:
grande mãe descaroçada que sou:
amo, devoro, venero, contemplo, preencho, circundo, adoro, figuro, sou,
senão em mim mesma,
boa terra, labiosa, dos grandes lábios de se morder.

9 de julho de 2013

chega o estrangeiro vestido de formas estranhas vestido de cores estranhas vestido de gestos estranhos prometendo recreios visões e ultrapassagens que nunca vivi garantindo diferença ou minha inteireza de volta topei fomos

ao parque de diversões que tocava eurodance dos anos noventa na montanha russa dominação submissão no trem fantasma tristeza plástica alegria mais plástica ainda no navio pirata êxtase desespero gritos calma rubor na barraquinha milho cozido e uma manteiga que nunca tinha provado e que é muito saborosa

ao cinema de rua antigo assistir a um filme cinza que falava sobre metafísica e verdade e outros mitos (confesso que cochilei) os comentários do estrangeiro eram melhores do que o filme ele perguntando sempre se eu estava acompanhando respondia estou acompanhando e entendendo? estou estou mas e deus aparece em qual cena e ele desconversava ria perguntava se eu tinha gostado de suas formas cores gestos e não entendia e escolhia ficar calado

à estação de trem ver as pessoas que se moviam sem saber se íam ou se partiam e ele sorria todo grato dizendo somos estrangeiros na própria casa e eu concordava somos todos de casa na própria estranheza e ele me beijava a boca na mora da angústia dizendo que iria embora mas que voltaria e eu via ele se indo mesmo sabendo que chegava deixando o choro por minha conta na promessa do próximo encontro em que íamos ao mar.

3 de julho de 2013

atesto, para fins de transmissão, passagem ou transcendência, que eu, estado de coisas, possuo competência e estou apto a lidar com a gramática sexual dos corpos, dado o rebatismo de fumaça aos meus pulmões ocorrido por meio do consumo fálico compressado de tabaco, papel e filtro, realizado na madrugada do dia vinte e nove de junho de dois mil e treze, com o intuito de amenizar os sofrimentos de se ter um furo necessário e não padecer de outros virtualismos além dos que fundam esta imagem que designo como eu, estado de coisas, atesto também a função primitiva que me foi conferida biologicamente e cerceada em nome do pudor e das boas morais, agora ajustada à figuração desta nomeação ausente de significações vindas da alteridade que outrora me preencheu.