31 de agosto de 2013

Não sei escrever para fora III

ai, minha história é tão fodida que vou contar só a partir de quando virei profissional. se sua curiosidade apertar, pode perguntar pra qualquer umazinha de rua, de boate, que vai ouvir a mesma coisa: família complicada, pai louco, mãe louca, sair de casa cedo: a vida de puta aberta pra gente. então não fica amuada que é ninguém é especial aqui, tá, só as virgens. foi mais ou menos assim, fui pra rua, conheci uma menina linda, camilinha aparada, tinha esse nome porque tinha depressão, tadinha, nas crises não se cuidava direito e chegava pros clientes mais exigentes, que gostavam só de peladinha, mentia, fazia o programa e na hora, dizia, aparada é essa, mostrava a buça toda cabeluda, voltava toda machucada, toda roxa e socada, já acudi muito camilinha, mas então, cheguei na rua assim, primeiro dia, tinha acabado de sair de casa, tava toda mole e chorosa, querendo mais é foder com a minha vida mesmo, vi a camilinha no ponto, toda produzida, collant de renda preta e meia-arrastão, saltão, pensei, poxa, quero isso pra mim também, falei assim: ô, bonita! me inicia? ai, que coisa, ela riu até se acabar, perguntou se eu era virgem, respondi que não, mas que tava quase pregada de tanto tempo sem ser frequentada, daí ela riu mais ainda, disse assim: ponho você nesse mundo, se quiser sair, vai ter que nascer sozinha, viu, estrela?, concordei, lógico que ia concordar, queria mais é isso mesmo, já tinha até sido batizada, estrela, achei feio mas aceitei, depois eu mudava, foda-se, daí camilinha me levou pro apê dela, me fez de gata e sapata, nunca tinha provado mulher, que loucura, que delícia, me deu aula de mulher, de homem, de puta, iniciação mesmo, falava assim, estrela, não pode negar as loucuras de cliente! se cliente quer enfiar o braço no seu cu, aceita, sorriso no rosto, com prazer, só pede pelo lubrificante pra não ficar toda esfolada, estrela, se vier mulher querendo umas coisas, não inventa de fazer tesourinha, não faz sucesso, já dizia o poeta que mulher gosta mesmo é de piroca, estrela, se cliente é feio, não faz seu tipo, esquenta a cabeça não, só lembrar de um que você gostou muito e imaginar aquilo tudo ali com aquele, funciona muito bem, só não tenta gozar porque aí é muito, estrela, se vier homem com umas histórias muito diferentes, prometendo felicidade, vai ver o tamanho da piroca: se for grande, não aceita. homem de pau grande é tudo triste. camilinha sabida. depois daquela noite, já sabia que ia ser moça mesmo, e das boas. ela me elogiava o tempo todo a respeito das minhas manobras e habilidades com o corpo; como sou de beleza excêntrica, não linda, ia conseguir fácil o próprio ramo. não é que consegui? fiquei estrela mesmo, nem aí. dividi por um tempo o apê com ela, a gente fazia rodízio e rachava as contas, trabalhava de segunda à sexta, passava o sábado lavando lençol e toalha pra no domingo descansar. camilinha, tadinha, depois de uns bons anos, morreu de depressão. tomava uns remédios fortes, mas nunca me contava da vida dela. combinamos em não falar da própria história, é tudo igual mesmo, só conversamos sobre os clientes. uma vez ela me disse que atendeu um executivo que era ela chamou de até-que-mais-ou-menos, meio barrigudo, moreno, tinha o pé grande e calçava uns quarenta e quatro, aí a gente até agua, né, mas diz ela que ele tinha o pinto pequeno, então,  aí que o até-que-mais-ou-menos pediu pra ela se vestir de princesa da disney e falar que era a cinderela e que queria o sapatinho bem enterrado no rabo; ela topou com a condição de que pudesse ficar com a roupa pra ela. não deu outra: ficou assada por dois dias. outro cliente da camilinha, uma mulher feia, mas mulher é mulher, até que se ajeita, chegou dizendo que era hetero, mas que queria experimentar coisas novas, mas que tinha muito medo. esse pessoal inseguro, né? quer provar da vida e vem logo na pessoa mais batida do mundo. daí camilinha, muito esperta, perguntou: o que você quer fazer? algo diferente e novo. camilinha, como tava triste demais no dia, não aguentou e falou, querida, eu tenho depressão e sei que essa vida não é fácil, mas aqui, conselho de puta, faz uma plástica nesse seu rosto que sua vida melhora, precisa vir aqui não, vamo tomar um chá? viraram amigas. uma vez atendi um grosseirão, macho-alfa, virilidade mesmo. meio peludinho. o cara tinha lá pinto grande, já fiquei aborrecida só de olhar. ia sobrar pra mim naquela noite. daí o cara queria meter de tudo quanto é pose. frente, lado, costas, de ladinho, papai-mamãe, frango, canguru, sapinho, o caralho do zoológico todo, fiquei aperreada, piroca grande, né, era uma terça-feira, tinha que trabalhar o resto da semana. fui até delicada, disse, gato, eu sei que você é muito foda, muito gostoso, seu pau é uma delícia, mas eu não faço a linha atriz pornô. pra quê. o homem me meteu a mão na cara, me chutou de tudo quanto é lado, repetia, mulher minha não me rejeita não!, fiquei toda acabada. "mulher minha", me senti querida pra nunca mais. camilinha que cuidou de mim. depois de um tempo fiquei sabendo que a senhora dele era uma dona-de-casa das mais mirradas. aí eu entendi. meu melhor cliente? ah. uma vez veio um doutor. alto, bonito mesmo, encorpado, pinto médio mas muito agradável. disse que era psicólogo, psicanalista. fiquei desconfiada, achava que esse povo não dava trela pra puta. que mentira. chegou aqui e falou um monte de coisa bonita: disse que as pessoas são todas sujas, que é dever da gente ser puta uma vez na vida, concordei, também pensava aquilo. e aí, quando eu perguntei, o que o doutor quer? ele me olhou bem sério nos olhos e disse assim: me ama. achei tão bonito, pediu o que ninguém pode dar, nem eu que sou puta. dormi de conchinha.

18 de agosto de 2013

(o único sofrimento honesto é aquele de se saber só. não tem promessa de família, amizade ou amor que valha. solidão traz à boca a fragilidade e o absurdo que é a vida. na ânsia de companhia, qualquer situação serve. e é bem assim mesmo: se começar qualquer prosinha boba na fila do banco, já nos unimos na descrença, na desgraça, íntimos ad eternum. fomos e estamos e estaremos sozinhos. a conversa só serviu de aro e sabão: fomos nós quem sopramos a nossa própria bolha. criar laços quando não há corda, união mais garantida do aniquilamento da memória. sem rosto. sem ética. não existe tempo na virtualidade: há nostalgia de esquecimento. mas do quê? de quem?)

12 de agosto de 2013

conselho antiest.ético

falaram assim
"aproveita o espaço"
assim?
          assim?
                     assim?
acho concretista.
acho brega.
mas
pensei um pouco
manjei
a coisa tá no cu
é só fazer (assim

6 de agosto de 2013

louvado sejas tu, ó homem que houve, que, ao viajares do norte ao sul a buscar palavras, ao andares por terras estranhas e descobrires tua pátria dentro, ao buscares nos traços da memória um nome que te seja próprio, ao desceres aos mares e te amigares dos peixes mais aberrantes, ao leres nos livros de ciência o conhecimento mais cerebral da humanidade, ao falares dos teus poucos pecados e te rir dos próprios desejos contados numa cartografia torta de desafetos, ao comeres a comida costumeira que tanto te apraz e que te ressuscita a língua, fazes das tripas, tripas, do coração, coração, da cabeça, cabeça, da perna, perna, do sexo, sexo, do mundo, mundo, de ti, lei.