19 de janeiro de 2015

é de som

a percepção da realidade externa: o arroubo da tranquilidade de domingo causado pelos santinhos de falecimento escorridos em uma consulta ao dicionário pelo prefixo pod(o)-.

a consciência: as fotos da infância de que não participei, as lembranças esparsas que quase não são minhas não fosse a identidade referida a um corpo que se mantém como meu, o gosto do qual não compartilhei, o time para o qual nunca torci, o painel do he-man com o rosto vazado, o capacetezinho decorativo que eu não entendia o porquê de sê-lo ("capacete" viria a se tornar algo outro, que se parte qual fruta despencada), o abraço que nunca dei - mas que dava escondido, dissimulado -, a música da qual eu me envergonhei, o jogo que teve para receber minha destrutividade, o skate verde que parecia tão divertido e que nunca me atraiu, as festas imaginárias ao som de trem da alegria, o olhar trágico e temeroso para sustentar a presença do nosso pai, o desapontamento para minhas encenações fúnebres, o amor gratuito para mim.

a compreensão interna: o que está gravado na lápide, nascimento, morte, epitáfio ("saudade"), e só por estar gravado, é o que saúda o morto em sua mortalidade, afirmando-o como inevitavelmente morto e autenticamente vivido, e, portanto, saudável na medida em que se pode transmitir a ele (suas) memórias e notícias.

12 de janeiro de 2015

quando chegado verdadeiramente

"diz diz que me - ama":
no rádio, um cantor gago.
areia na cama.

11 de janeiro de 2015

quando chegado

sol, pressa, manhã:
praia. cueca molhada
no pé de poncã.

8 de janeiro de 2015

_ecepção

à prova, o anfitrião se põe como alheio ao seu próprio lugar: cede, empresta, oferece, doa. o anfitrião se põe cansado de seus préstimos e dá aos cuidados rumo próprio conforme a expansão do hóspede. a casa reduzida às satisfações biológicas, o anfitrião se põe como hóspede da animosidade de seu modo de viver assemelhado ao da visita: que também é rotineiro, que também é caseiro, que também é intolerante ao caos, que é, contudo e principalmente, também paternal. quando o anfitrião se põe paterno, assemelha-se ao inimigo próximo que ronda seus medos de ausência de rotina, nomadismo e desorganização: reparte a função em várias pessoas, dilui-se. assim, abdica de seu poder em nome de uma criação plural, na qual todos os modos de viver são apresentados e curiosamente rechaçados de sua hospitalidade: um pai recepciona. sendo o pai um anfitrião, põe-se como provedor, extrato bancário abastado como única virtude. sendo o anfitrião um pai, põe-se influente somente na medida em que deslegitima quem ensaie as boas intenções em ceder, emprestar, oferecer, doar: um pai decepciona. assim resta: homem frágil, apegado a qualquer virilidade frágil.