7 de novembro de 2025

fazia-se alva, bruma alguma
faria das formas sua forma espuma
fará datas em forma desta pluma
noite em ideia: lua nenhuma.

que se esconda, fuja, suma
queda-se em vezes, uma a uma
nuvens mais nuvens, em suma:
noite em ideia, lua nenhuma.

12 de outubro de 2025

bi-a
ô, bia

vamos brincar um pouquinho
de fone ou no brinquedão?
pandeirinho ou papelão?

sair do quarto um pouquinho,
comer um capim-cidreira,
beber água da torneira

bi-a
ô, bia

tanto dorme o tempo passa
é preciso resistir,
não ser assim tão sem graça

nossos dias são finitos
tentamos por algo contra,
fingindo ter outra farsa

bi-a
ô, bia

feliz ainda a brincar
velha velhice é maldosa,
não poupa, já logo esgota

sofro por nós sem saber
dividir muitos... o quê?
você mia mia mia

30 de julho de 2025

juninho

do outro lado junto ao muro, cresce um pé de mandioca, que sombreia a concertina, que, por sua vez, tenta o quanto pode cercar ou concertar o que lhe cabe. julgando ali um bom lugar, sob a proteção de folhas e entre espirais que cortam, surge uma ideia para um casal: gravetos e galhos e pauzinhos, um círculo se monta e se faz e: eis um ninho de pombo. para a curiosidade de todos os pássaros do parque dos pássaros e, inclusive, a nossa. um ninho?

assim começa, inserindo-se na ingenuidade dos dias, o entretenimento natural: pardais chegam perto e dão notícias sobre, canarinhos também, mas pula-pulando e cantando; bem-te-vis dão rasantes e sentem fome, mas não tentam mais do que atentam. nós, da janela, comentamos tudo e agimos: gritos com os bem-te-vis, cocho de canjiquinha e pão ralado, água clorada, porém fresca da piscina. o pombo-pai aparece rapidamente e logo flana, exercendo sua paternagem territorial. a pomba-mãe escrutina empoleirada e arrulha repetidas vezes, tentando entender ou entendendo de fato e deixando a nossa parceria.

durante a postura e a incubação, pombos-pais se alternando nos cuidados do ovo, como são inteligentes, a natureza é perfeita, etc. tão perfeita que nós, muito humanos, observamos e significamos tudo: agora a mãe, agora o pai, o filho já nasceu?, cadê o pai? só estou vendo a mãe aí... será que está triste? saiu pra comprar cigarro e nunca mais voltou, deve estar no trabalho, logo choca e voa para fazer faculdade, etc. observamos e significamos a partir da nossa perspectiva, o que é, afinal de contas, uma incapacidade de observar e significar. ao fim e ao cabo, seguimos observando, enquanto o casal natural resistia à própria natureza, isto é, aos calangos, ao vento, ao frio.

especulações sobre o mundo das aves e projeções biográficas, o tempo age e nasce juninho, o filhote. menorzinho, quando despontou do ninho para nós, com exceção da cara de criança, nos pareceu idêntico a qualquer outra pomba-asa-branca de sua espécie (Patagioenas picazuropatageö e oinas, do grego, "barulho, barulhento" e "pomba", respectivamente; "pcázuró, do guarani, "pomba amarga, amargosa"). acinzentado, amarronzado, esbranquiçado, a depender do ângulo e da parte do corpo. cauda ligeiramente mais escura, quase preta. ainda é silencioso. apesar do amargo de sua espécie, por força dos costumes e opções alimentares, não saberemos seu sabor.

a não ser nossa ficção de gênero em nomeá-lo como macho, é muito parecido com a mãe, o que não resolve a verdade de seu sexo de imediato. ainda assim, juninho é um(a) pombo(a) tão amparado(a) de cuidados, mesmo na ausência instalada do pombo-pai! definitivamente, sua criação será feminina. ainda que mal, pela incipiência de sua infância, já quase age como todos os seus: pede leite de papo, cisca aleatoriamente, estende as próprias asas ainda sem o espelho que lhe é característico, recolhe-se ao ninho, canta um gú-gu-gúu meio tímido, pouco barulhento. ainda não sabe voar, e seus ensaios ocupam as tardes e servem de muita graça; daqui a pouco, quem sabe? por enquanto, juninho cresce e aparece.

o problema: o instituto nacional de meteorologia emite um alerta amarelo de declínio de temperatura com duração de dois ou três dias desde seu anúncio. tais previsões se concretizam em um fim de tarde de segunda-feira com uma ventania forte, que durou alguns poucos minutos, mas o suficiente para sacudir a copa das árvores e espalhar poeira e fuligem... o que resultou, para o desgosto dos varredores do serviço de limpeza urbana e dos afeitos ao asseio doméstico, em vias imundas de folhas secas e casas sujas, quintais e passeios emporcalhados.

o drama: o ninho, pouco guarnecido em sua própria estrutura frouxa, muito frestado e mal coberto pelo pé de mandioca já desfolhado, tombou ainda mais para trás com os ventos, enroscando-se nos galhos ao lado, enganchando-se nas farpas da concertina. nos dias anteriores, com os ventos de inverno, a pomba-mãe havia tentado ser algum peso para gangorrar o ninho de volta ao muro, sem muito sucesso. diante do pé de vento, não houve remédio.

juninho ficou sentado no cimento dos tijolos do muro, aparentemente lamentando que sua casa se tornou porcaria, talvez assustado pela força da matéria mesma que o fez. juntos, mãezinha e filhote passaram uma noite de frio, o que faz confundir sofrimento e natureza. pela manhã, vimos que havia sumido. a pomba-mãe, com seu olhar estático, ficou um pouco ao lado do ninho tombado, emitindo gu-gu-gús, traduzíveis em chamamento e choro. logo voou. da vista da janela, restou o ninho vazio, imprestável e para trás.

no dia seguinte, não sabemos se as outras pombas-asa-branca que pousam por aqui é de fato a pomba-mãe ou o próprio juninho, já mais desenvolvido por ter sido calejado pelas intempéries da liberdade. fato é que se interessam pelo ninho, espreitam e esticam o pescoço, cientes ou não do que se passa ou se passou. fato é que, do nosso lado, o que era um convívio indiferente se tornou experiência, portanto carinho e preocupação. dados os muitos encontros com outras pombas da mesma espécie, todas têm nome e (como é difícil evitar o espelhamento) são, senão em par, juninho, ou uma mãe eternamente em busca de seu filho perdido. intempéries da liberdade.

9 de maio de 2025

às pressas por me prensar entre os minutos ou por qualquer atraso inventado, sem a calma que asseguraria a atenção e a prudência em ir pedalando, às pressas como se contra a noite e pouco amparado pelas luzinhas da bicicleta, com o acúmulo do dia se esvaziando por meio das pernas e do uivo do vento aos ouvidos, às pressas diante dos carros que envelopam o corpo, tão maiores e vorazes, enquanto esta matéria frágil quase ignora a si mesma para fazer movimento, às pressas descendo a rua sem saída da garagem da viação da cidade, ao lado um descampado de mato alto e terra revolvida, às pressas guinchos de corujas e estrídulos de grilos, a beleza sinistra da vista da cidade logo após a hora de maria, chão e ar tremendo pelo motor do trem às pressas vindo, vindo, vindo, às pressas outro tempo se impõe: espero desmontado e à beira – medo e hipnose pela máquina – passar pelos trilhos – sentir sem olhar de frente: vagões se deslocando: buzinas alongadas – freios estridentes – assobios explosivos: quantos? – e sigo.

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pare, olhe, escute. na ruidosa calma que lhe é própria, segue indiferente à sua própria proporção, ritmando sem escutar, como um metrônomo maquinal que se ecoa pelos próprios trilhos. anuncia-se junto ao badalo de sineta em crescendo, em grandioso ribombo de pistões e freios, dando mostras de apertos e alívios de compressões, calmamente. seu conjunto emula qualquer ideia sinérgica de ordem, sequência, união. os trilhos, quando não estão sendo usados, servem de cenário para ensaios fotográficos e metáforas de gosto duvidoso: reflexões inofensivas do que lhe passa, do que passa. ainda, os trilhos servem de caminho ou ponto de referência para os geográfica e existencialmente desbussolados, à beira. e o maquinista, iluminado pela luz azul do monitor de seu painel de observações, diverte-se sempre, buzinando sua inconveniência, mas mais contido à meia-noite em respeito ao descanso alheio. fosse sangue, seria parte de um sistema sanguíneo-ferroviário que marca o passo da cidade-coração. funciona como um relógio que conta a si mesmo, aproveitando-se em alongamento espichado de pura horizontalidade, sem saber o que são ponteiros ou horas. carrega mercadorias e, portanto, delírios de ser a parte motora da ideia muito gasta de locomotiva de um país. ao fim, é profundamente contrário ao tédio e não é menos do que uma sucessão de vagões, isto é, uma tristeza alegremente cativada em sua própria alienação, uma síntese ontológica da alma da cidade, um corpo que não dói e por isso em constante trabalho: orgulho, pobreza, devoção, utopia.

25 de abril de 2025

"[...]
Faço pensamentos com a recordação do que el[e] é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
[...]
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nel[e].
Não peço nada a ninguém, nem a el[e], senão pensar"
(Alberto Caeiro, "Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,")

é latente a confusão no sorriso automático
algum desespero escapa do olhar sedutor
posa o corpo de delícias e artifícios
a felicidade se finge num jogo luminoso
no qual o cotidiano se mistura à autoexposição
por meio de frases feitas e amenidades

a imagem não registra a imaginação
não se fazem sinônimos amor e pensamento:
o gosto distraído por se fazer vitrine
não esconde bem o desejo de ser desejado
e a vida mesma não se apresenta como tal:
fulgurante, vertiginosa, obscura, inefável