longe do centro, do progresso contrário à saúde
ruralismo ingênuo que ignorava a si mesmo
ao gosto dos fenômenos se espalhava algo de natureza
num vale arborizado corria um pequeno córrego
mato alto por muito tempo quase intocado
pela grande indiferença se fazia morada do sol e afins
a proximidade mais ou menos respeitada
como se fosse não afetada pela cidade
coexistindo com os cafezais viciosos logo ali
(fica estabelecida, pela prefeitura desta comarca municipal, a circunscrição desta região em que cada rua fixa um pássaro
correspondente, atravessada por uma avenida de mesmo teor, para empreendimentos e fins de comércio e moradia;
a preservação do meio ambiente e da fauna e flora locais será tratada em momento oportuno)
estrada de terra batida picando o cerrado
piche e manilha e tem-se trânsito e água encanada
a chegada tímida mas definitiva dos postes enfileirados
cercas criam lotes que criam casas que criam pessoas
obras poeirentas que se querem rápidas e minimalistas
numa reprodução idêntica de sua própria monotonia
escritórios de soluções para o seu negócio, depósitos suspeitos
oficinas de implementos agrícolas, lojas agropecuárias, corretoras de café
galpões de logística sem placa de identificação, espaço instagramável de eventos
tratores e colheitadeiras no mostruário, pivôs aspergindo nuvens vermelhas
padaria tudo-caro, box de crossfit, concessionária de picapes (obviamente)
armazéns empilhando e ensacando grãos, caminhões compulsivos circulando
paisagem cenográfica de montes polvilhados de antenas
verde tornado cinza na serra queimada do cristo redentor
porque um casal decidiu soltar fogos num chá-revelação
ao meio-dia sistematicamente desfila um carrinho de picolé
enquanto um idoso se derrete caminhando e buzinando para ninguém
cachorros de rua cochilando nos montes de areia e brita
um galo abre a madrugada como se fosse hora
chamando para a existência aqueles já acuados
verdadeiramente nativos por muita insistência:
uirapuru, tucano, sanhaçu, pardal, periquito, juriti, patativa, arara
beija-flor, pintassilgo, gavião, bem-te-vi, flamingo, inhambu, garça, asa-branca
andorinha, papagaio, codorna, sabiá, joão-de-barro, cardeal, araponga
de manhã cantam um pouco da morte do mundo
tarde de calmaria e descanso nos fios da rede elétrica
corujas guincham e assustam o guardinha da ronda à noite
quero-queros buscam buracos na grama para novos ninhos
juritis chocam entre as concertinas do muro
enquanto lagartos espreitam em loteria os ovos
marcam um andamento inevitável os pica-paus:
do parque: fuga ou morte por excesso de humanidade
os pássaros: sobrevivos por direito natural
Dia delido
26 de fevereiro de 2025
27 de janeiro de 2025
disk-poesia
a coleção moraes-barbosa
lançou em 18 de janeiro de 2025
a versão brasileira de
dial-a-poem, de john giorno
com curadoria de marcela vieira,
o projeto reúne leituras de poemas
feitas por diversas vozes contemporâneas
em parceria com a empresa vivo
os diversos selecionadíssimos poemas
têm como denominador comum o erotismo
tema caro à investigação artística
do badalado multimedia artist
podem ser escutados em todo o país
através do número 0800-01-POEMA
ou, para quem está fora e internacional,
através do +55 11 5039 1344
os timbres das vozes imprimem modulações
outras aos poemas performados via telefone,
complexificando os sentidos possíveis
nesse cruzamento de linguagens etc.
pois bem: sentei-me confortavelmente
reuni a dispersão do meu ser em um ponto,
concentrado para a ligação-experiência,
afinal não é sempre que etc.
barthes intuía o grau 0800 da escrita?
a alteridade de lévinas imagina tu-tu-tu?
o que george bataille acharia do sexofone?
alô, lacan? é claro que sim!
discado o número, celular à orelha,
esforço sublime, sensibilidade aguçada:
a face do erotismo, brasileiramente:
"telefone temporariamente fora de serviço"
frustrado pelo mau gosto da realidade,
então a vida é dura, sem beleza?
sugestão da amiga muito amiga:
"consegui neste número: +55 11..."
descrente e como que por distração,
redisquei. de supetão: arte, à mão:
"flora thomson-deveaux. cabo machado, de
(boca bem cheia), mário de andrade
cabo machado é cor de jambo, (pausa curta)
(um pouco solene e alegre) pequenino que nem
todo brasileiro que se preza. (pausa longa)
cabo machado (voz aspirada) é moço bem bonito [...]"
logo mário? cabo machado? será?
quais seriam os outros, as outras vozes?
cinquenta e quatro poemas eróticos
para cinquenta e quatros vozes erotizadas
eis a obra como um call center de poetas
em que serviço público se mistura à arte
ruminando a velhanova questão:
o artista é um trabalhador? (a artista com certeza é)
não sei se como para um número qualquer
ou ainda para um número de emergência
ligo de novo dessa vez mais esperto
disposto a qualquer excitação:
"horácio costa (grossura, calibre). velhos
(sibilação alongada), de minha autoria
(silêncio, o poema assim se avolumando)
descendo a rua mato grosso, em higienópolis [...]"
não consegui exatamente escutar o poema;
algo como roberto piva de bermuda azul coxeando,
números no painel de um carro que envelhece,
tomie ohtake como tesouro nacional, saramago etc.
parecia uma crônica semipoética (não gostei)
em que comentários anedóticos se misturam
à velhice de um homem (horácio costa gosta?);
a voz (o verdadeiro poema), a voz, no entanto
21 de janeiro de 2025
vem como viria já prenunciada desde antes:
(céu acinzentando salpicado em chuvisco)
idade somada a um coração envelhecido
– corpo enfermo, alma enferma? –
fez ver nas imagens o rastro de um toque,
mancha difusa já muito apegada aos pulmões
contra o gozo dos irônicos e dos tabagistas,
(aura enfumaçada alguma, cilindros de oxigênio)
um último método contra a queda dos grãos:
consumir as horas como um homem de horas
à espera pela visita exata da senhora imemorial
severidade e riso emagrecidos por fim
ainda cronometrando aquilo que passa rente ao tempo
(feixes de sol contra a tarde) para ainda dar ordem:
remédios e copo d'água dispostos sistematicamente
no aparador ao alcance de seus braços-ponteiros –
que se feche o quarto contra ruídos e clarões
como sempre soube: silêncio e penumbra
16 de dezembro de 2024
"se fosse uma pessoa, deveria
estar fazendo hemodiálise" dadas
as más notícias do prognóstico
a obviedade se prenunciando
enquanto os rins lentamente
se tornavam esponjas duras e fibrosas
magreza, letargia, perda de apetite, halitose
desidratação, vômito, espasmo, confusão
pupilas dilatadas, bigodes atrapalhados
orelhas baixas, focinho esbranquiçado
expressando a seu modo o mal-estar
sem efeitos os nossos cuidados
(se o sentido de uma doença é o sentido
que se produz a partir das alterações da
materialidade do corpo e das significações
possíveis de um conjunto de discursos no
qual se situa o doente, como poderia
narrar seu sofrimento além da objetividade?)
resistir ao que não se pode resistir
fracassado o adiamento possível
chegada a certeza da hora incerta
sabedoria pacífica, lição perene:
resguardar-se em sua intimidade
dar-se dignidade e discrição
à noite descendo as escadas
nenhuma gravidade a mais
pela última vez conosco
fugindo do banho improvisado
sem necessidade de despedidas
ou dramas ao que lhe vinha natural
pela manhã achar um espanto
enroscado nas madeiras do sofá
em segredo o desejo por fim realizado
a morte apresentada para o bem
contra a vaidade de alongar indefinidamente
os dias de dezoito anos, vividos um a um
caixa-castelo de papelão do melão rei
"sou saboroso", "estou maduro"
toalha-mortalha com motivos florais
em vermelho, rosa, laranja, amarelo
tronco retorcido, boca espumosa
olhos revirados, músculos rígidos
(no cemitério do canil municipal
a cerca servindo de delimitação e ironia
em negativo ao nível do chão uma vala
comum por serem muitos animais
contaminada por não serem pessoas
amontoados, revolvidos, despedaçados
numa grande massa de barro e vísceras
moscas disputam com urubus a decomposição
enquanto um córrego logo ali
docílimo em sua ingênua correnteza
se embebe de caldos cadavéricos
tornando-se um inferno líquido a céu aberto)
assento do sofá tornado monumento
nos cantos do jardim nenhum cochilo
debaixo do carro preocupação alguma
montinhos de cobertores são nadas
tubo peluciado vazio no primeiro andar
junto ao pé da mesa se encontra o chão
pesadelos antes de dormir:
pelos endurecidos de terra e sangue
corpo exposto ao sol e à chuva
rosto roído por vermes
ossos pontiagudos à mostra
miados profundos sem socorro
[.......................................................]
preto com branco! ô, curioso!
gatão! cadê o vovô? cisquinho!
psh-psh-psh-psh-psh-psh-psh
cadê o gato? bartô? bar-to-zi-nho?
onde meu companheirinho?
psh-psh-psh-psh-psh-psh-psh
7 de dezembro de 2024
poderia começar com ares de denúncia e acusação, como quem enumera mentiras e reivindica verdades, adotando um tom de ressentimento ao qual não tenho direito e o qual por fim me rebaixaria pelo despropósito do que furiosamente senti. poderia não começar e deixar ao tempo a providência exata de todos os remédios, como se, uma vez coberto de silêncio o acontecimento fortuito de nos reencontrarmos, coubesse apenas remediar este presente impossível, o meu presente. entre as possibilidades de escrever, a despeito da confissão que beira à auto-humilhação e da ânsia latente por justiça, tomo a palavra para que ela possa, outra vez, dar forma à desordem, ainda que eu saiba que, diante da violência da angústia, ela se apequena e nunca alcança a enunciação definitiva. escrever: buscar sentido diante dos conflitos inconciliáveis entre afeto e representação. poderia não começar já, adiando o início dessa tentativa de escrita, fazendo dessa impossibilidade de começo de escrita a forma exata e irônica de expressão de nossa não relação. este parágrafo é um falso começo, assim como nós. todos os começos são, em alguma medida, falsos.
estávamos em busca de uma descarga provisória às nossas volúpias. por acaso tomei coragem para elogiar suas meias, preencher o assunto com a briga dos meus vizinhos, tentando um caminho àquilo que me atraía. uma vez que nos reconhecemos: espanto, euforia, encanto, agonia. arranjamos um reencontro com as expectativas pouco pensadas ou assentadas: a mim, o contexto sexual geral era inibido pelo desejo de acertar as contas com o passado, tarefa que me dava em nome dos mais de dez anos sem contato com você. não me movia por um sentimento consciente de vingança, desses que tomam a forma de uma ideia vaga, porém importante, de certo mal dirigido a mim ou a você. me dispus a ir ao seu encontro (com angústia e tremor) pela oportunidade de dizer aquilo que não havia sido dito a tempo, acreditando que fosse possível uma reparação qualquer frente a tanta ausência e afastamento. não pude existir ileso de um grande amor adolescente que se interrompeu de forma descuidada. foram mais de dez anos, o que significa dizer que são mais de dez anos vasculhando sentidos em fatos já muito falseados pela imaginação, pela memória, pela vida. fomos capazes de rememorar alguns acontecimentos juntos (eu pedindo perdão por lembrar), experiências comuns nossas no passado, o que me serviu por uma fração feliz de segundos de ilusão e comunhão. todos os fatos, assim como os começos, também são, em alguma medida, falsos.
foram mais de dez anos inicialmente superpostos na sua proposta de "eu quero te ver, preciso conversar", "eu vou aonde você quiser". diante de tamanha abertura, recusar, pelo alvoroço do mal-estar, era uma possibilidade que valia como refúgio e consolo, o que, no fim das contas, se prova impossível. culpo a minha incapacidade de domesticar minha agitação diante da surpresa tão inesperada, mas também meu receio ou desejo secreto de que esse reencontro um dia acontecesse. pessoalmente, resisti ao abraço em que nos cumprimentamos: relembrança: rosto roçando barba, seu gosto por perfumes pontiagudos, o conforto do seus braços passados às minhas costas, quadris levemente pressionados. um abraço... difícil sobreviver à tensão que surgia à medida que nos avaliávamos silenciosamente, apesar dessa excitação erótica interditada pela própria circunstância. tentei preencher meus turnos de fala buscando suspender minha gravidade típica, dando notícias em tom de fofoca e gracejando muito diante das intimidades, o que pode ter surpreendido você pelo artifício pouco espontâneo, a leviandade forjada. eu, muito ingênuo, tentava sublinhar minhas próprias palavras para que algo não pudesse escapar do meu gesto enunciativo, como um velejador busca algum controle de seu barco furado em meio à tempestade. diante da sua necessidade de conversar, o tom terno da sua voz me impedia de escutar com clareza, dados o pavor e a incredulidade gerais. a verdadeira novidade era a irrealidade, ou seja, a possibilidade de reaver contato, reconhecer um ao outro ("sem mediações, outros tempos"). foram mais de dez anos.
apesar da atmosfera tensa pela premissa do reencontro, incrédula pela própria realidade inusitada e artificial pelo nosso contato sem jeito, tudo me pondo quase aos vômitos, como antes, compramos sanduíche, criticamos vitrines e andamos pela cidade às vésperas de uma madrugada muito fria (me arrependo de não ter cedido meu casaco ou ousado algum calor). apesar do curtíssimo tempo passado juntos, estive gravemente feliz em sua companhia. nos despedimos com convites a visitas, viagens à sua cidade, promessas de conhecer a padaria perto da sua casa. sem mediações, a abertura e as expectativas ("tem tanta coisa que ainda preciso contar e quero saber... e vc tá tão bonito!") trouxeram dias delirantes e vertiginosos diante de um passado sem alegrias, um presente sem presenças e um futuro sem garantias. acreditei por breves meses que os outros tempos seriam outros, não sabendo com clareza do risco que seria reaver uma relação que me foi tão dolorosa, desde o nosso afastamento ou mesmo antes. constrangimento maior foi descobrir que, depois de mais de dez anos, o desejo de consumar aquilo que havia ficado pendente na adolescência subsistia em mim. você: uma imagem fixada nesse movimento repetitivo de queda em câmera lenta, sua perda simultaneamente rejeitada e restituída à medida da negação e da afirmação da dor.
retornar ao canal em que nos reencontramos era sustentar um meio de comunicação imprudente, suscetível a desconfianças e mágoas desnecessárias. passado o tempo, o bloqueio preventivo. passado o tempo, seu novo perfil na região. como um golpe, o novo contexto: o que era vivido como acontecimento foi transformado em espreitas culposas diante de uma sexualidade imaginada como a mais promíscua e libertina possível. o suposto cuidado em não manter contato por ali foi substituído por um sentimento de perda de confiança, tão incipiente e, portanto, precária: de repente, sua mentira ingênua é descoberta unilateralmente por mim; de repente, minha mentira profunda é prolongada pelo acesso ao que seria para mim uma vitrine imóvel de obsessões, uma série ritualizada de exercícios de sofrimento. dada a estrela, noite escura: nova foto no perfil; mudanças na localização; cálculos de minutos, horas e dias entre o último acesso; ideias impalpáveis de outros homens. sem mediações, a velha cena se repetia: tornado mais uma vez vítima e agressor de mim mesmo, estava diante dos efeitos mórbidos de uma dissolução erótica, em que o desejo se confunde com as formas mais escusas de gozo e os corpos se tornam espectros deformados do que deveria ser algum suporte de alteridade. comentando aquele ensaio espinhento sobre a solidão que compartilhei, você havia me sintetizado: "a gente gosta de sofrer".
a confissão aberta do meu interesse em estar com você pretendeu criar a oportunidade para transparências e franquezas, sem os ruídos da incerteza ou da dúvida quanto aos destinos que poderíamos ter. reconheço ser muito arriscado da minha parte ousar tamanha exposição diante desse acontecimento em que, avaliando retrospectivamente, eu talvez não tenha conseguido modular o tom ou encontrar o momento certo de falar e calar. comentários dispensáveis tornaram-se acidentalmente provocações irônicas, respostas prolixas foram dadas a perguntas que não foram feitas, meias-palavras para nenhum bom entendedor. me conforto acreditando que fracassei diante de uma situação em que eram exigidas perícia e agudeza para me comunicar veladamente bem, de modo amistoso e sedutor, sem me privar a chance de um próximo passo mais caprichoso; a verdade, talvez mais dura, é que, por mais ponderado e eloquente eu pudesse ter sido, não haveria bom desfecho qualquer fosse o cenário. ainda assim, racionalizo: mal-entendidos fundamentais da linguagem ou erro de cálculo entre a pertinência e a (falta de) intimidade? minha sinceridade não deveria servir de pretextos para não ditos de sua parte; esperava alguma reciprocidade minimamente à altura, nem que fosse para uma recusa seca e cortante, novamente descuidada, mas pouco inédita. cada vez que seu silêncio me alcança, seu desinteresse se faz ouvir de forma mais nítida. minha insistência em escrever também me produz uma vergonha que lamento sentir: com alguma honestidade consigo mesmo, você me liberaria desses ecos. poucas palavras serviriam, um "não" serviria.
retomar contato por meio do canal haveria de ser ainda uma surpresa, não fosse o encaminhamento dos desafetos e ressentimentos mobilizados por esse desrecomeço. sinto que agi de má-fé com você ao ousar alguma resposta à sua tentativa de conversa comigo, uma vez eu não me apresentar frontalmente, rosto posto. dizer-se "mais preparado" diante da minha aparição, eu vibrando pela oportunidade de alguma palavra após ter perdido o timing do contato pregresso, uma voz que invento para pretender resumir uma situação decorrida por uma escolha sua em não responder e sumir... a surpresa é seu gesto de trazer para si a responsabilidade de ter entendido mal minha mensagem, uma gentileza contingente ao constrangimento de falar com o indesejado. a pouca capacidade de se administrar frente a algo que me parecia decisivo não se reatualizava: o que me cabia era ler a situação como uma despedida às avessas, em que novamente se prometia "conversar melhor" num "encontro na próxima vinda", sabendo de antemão que nada prevaleceria mais do que o esquecimento tácito, a desobrigação indiscreta, o bloqueio preventivo. dois enganos fazem dois enganadores?
ao fim e ao cabo, o que me fica é esse sentimento muito doloroso de não ser merecedor da alegria da rejeição, em que constato que não valho a amizade, situando-me como alguém desimportante apesar do passado e descartável como um qualquer. o penoso não é lidar com essa suscetibilidade ao desencontro e à mágoa que os nossos critérios impõem a cada relação, mas sim com a pouca honestidade em relação ao outro, o descaso com a palavra libertadora que generosamente delimita e carinhosamente situa os afetos em sua devida dimensão. na ausência da dádiva, os fantasmas se agigantam, o desamparo beira o insuportável, quedas anteriores se repetem e se acumulam à nova queda, e uma crise evitável se faz como consequência de algum capricho egoísta e pouco consciente de si. a fatalidade está logo ali: no dia do caçador, você inevitavelmente será a caça. apesar dos votos ressentidos, essa afirmação é vivida à pele, e a solidão, apesar de serem muitos os homens possíveis, é companhia perene. salvo o destino, haja sorte para nós na empresa amorosa. sem o azar de nos redesconhecermos novamente.