28 de fevereiro de 2022

I.
se digo o nome de joão
arrasto consigo a pessoa
ainda que não presente
seus ombros desalinhados surgem
assemelhado o modo de pensar

a vida insistida vivida e porvir
os versos que não foram escritos

a memória pregressa e futura
o presente e a preguiça

a sabedoria ou ignorância
sobre si e o mundo ao redor

os copos d'água os acontecimentos
com susto quebrados ou bebidos

as roupas monótonas os trejeitos
estão como um corpo invisível

as mãos pousadas calmamente
e os olhos injetados vibrando

os gostos fugazes sem fixação
contra as músicas da adolescência

as horas de cadeira sem amores
à espera de todos os amores

também os medos e os sonhos
cheios de farelos de uma infância
(ou dos dias que não se acumularam)
que por unidade comum só possuem
o nome próprio gasto de joão


II.
joão, não busque um nome no rosto relampejado no espelho ou nas fortunas do sexo desenhado no corpo; as vontades e os vícios não servem de consolo, quando muito depõem sobre uma existência cujo sentido (nunca dado) foi artifício provisório de alguma história também provisória. não procure nas paisagens algum rastro do ser-ter-sido; unidade alguma se encontrará do que é em sua essência fragmento e vapor, ainda que belos os horizontes à beira-mar ou a vista reticulada da janela e dos vitrais: o torpor das vegetações e das serras mineiras, a visão do céu brasiliense em suas pirotecnias das horas sagradas nada podem, nada dizem. sobre as figuras de sons nos tratados de versificação ou nos manuais de estilística paira um pulsante silêncio, negando qualquer ritmo ou tom; os jogos de pensamento são formas esplêndidas de construir relações que são naturalmente impossíveis. nos textos não há mais do que uma gota d'água abstrata que se dissolve num mar perpétuo de sal e monstros, ainda que estes sejam carinhosos. busque um nome naquilo que está rente ao antigo gesto de nomear a partir do olhar docemente maternal para revestir você, que não era ainda uma vida própria: uma esperança inventada entre o amor e a tragédia, um elogio à fraternidade, uma alegre condenação.