12 de fevereiro de 2019

entrada da quadra, tardezinha de 1998

subi no pouco que pude o ponto mais alto da minha árvore após ter brigado com meus amigos, então tornados inimigos, pelos quais ansiava a morte. acreditando que toda criança tinha de ter uma árvore e um pai para espantar o mal do coração e do mundo, a partir da minha educação de culpa cristã e muitos brinquedos caros quebrados, rezei para deus e os seus que salvassem esta alma egoísta e poupassem de avaliá-la com estes olhares impiedosos, mas justos, que eu não sabia exatamente de onde vinham: "santo anjo do senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, rogo-me de frente e também alado, já que nas alturas do pau-brasil, e à sina conquistada de ser criança agora solitária: por favor, pai do céu, faça com que o anjo compareça em presença absoluta e real, pois já não tenho mais com quem brincar; leia os joelhos ralados e adormecidos pela prece, alivie esta agonia cansada dos mistérios e o apresente, em penas, como amigo. se não der, aceito que venha o senhor mesmo; pode vir como pombo, até sem bola". era uma clemência infantil, que não encontrava sentido algum na redenção, mas que se lançava obstusa e amendrontada, imitando o gesto dos adultos. julgava eu ser nenhuma alegria guardar, governar, iluminar nós os homens, por entre as nuvens e detrás das estrelas, como me diziam deste reino do pai do céu. temia seus abusos e as fofocas de seus enviados vigilantes, desejava em segredo que de uma vez por todas se deitassem abaixo o ócio vaidoso e o voyeurismo destes gestores habitantes do éter – e que as árvores, verdadeiras companhias, falhada a prece, me escutassem acolhedoras, dando galhos para espadas ou cajados, troncos para cavalos ou esconderijos e folhas ou raízes para coroas ou remédios de cura profunda imaginada.