13 de novembro de 2014

faticidade

send (v): send forth; throw, impel; head for; cause to be delivered or conveyed; make to go; journey.
envoy (s): messenger; message, sending; one sent.

na testagem do canal de comunicação, importa-se o estabelecimento de um meio, apresentando provisoriamente a mensagem como preenchimento e brinde enunciativos. primariamente, ela serve para abrir uma trilha, acabando por pairar em busca de destinatários. no entanto, uma vez conquistado o canal, o que dirige o traçado de seu caminho aberto é a angulosidade da mensagem.
mas o que se envia em uma mensagem? palavras, intenções, gestos, o ser.
em um poema, diz-se que o envoi é um fecho de endereçamento e despedida, em busca de possíveis leitores, meio-fim/canal-destinatário por excelência. depois da labuta criativa, o lançamento.
em uma conversa, diz-se que há um assunto latente aos turnos. algo (a mensagem) que diz sobre algo (o assunto) de algum modo (a fala). quando ocorrida pessoalmente, a interação se enriquece e a transmissão verbal do enunciado escapa à articulação dos canais possíveis. a espera do receptor também funciona como um regulador do endereçamento do emissor; daí se conclui que a mensagem se modula de acordo com e está suscetível às reações do receptor de um modo quase involuntário, ainda que a comunicação seja muito monitorada. toda conversa é uma dança de apertos e frouxidões. a demora na emissão da mensagem é também seu próprio envio: uma vez formado um canal, as vésperas da mensagem é também mensagem; algo já se enuncia antes de se dizer de modo articulado. de modo mais radical, a ausência de mensagem é também mensagem. fala-se somente na medida em que se espera ser escutado; nesse sentido, o receptor não precisa ser necessariamente algo ou alguém imediato ou presente. às vezes, a mensagem importa pouco em uma conversa, tornando-se apenas um pretexto que surge no percurso (a conversa mole) para o estabelecimento de um canal (conexões, intimidades, afetos, curas). quando enviada, a mensagem pode se confundir com o mensageiro. como resposta, o que sempre se espera é pelo corpo de palavras do Outro, que reage e reconhece aquele que(m) fala como digno de linguagem. a faticidade do emissor é a ética do seu receptor e vice-versa. conversar é a possibilidade de abraçar formas de alteridade dentro de si, rotineiras, absurdas, conhecidas, estrangeiras, domesticadas, insubmissas, etc.

11 de novembro de 2014

besouro

o nado afogado
na bacia, de vôo baixo;
diversão dos gatos.

9 de novembro de 2014

água mole

a pedra e o calango
na chuva: dureza suja.
a casa em molhança.

7 de novembro de 2014

as quatro paredes, duas a duas em paralelas, uma necessariamente vazada para a porta, encerram um ambiente. reboco e algumas camadas de tinta (às vezes dispensáveis) para ocultar a nudez dos tijolos, se houver tijolos. no que se refere à configuração das paredes, um indicador de tristeza é a presença ou não de outro vazamento enquadrado, receptáculo e portador da janela. no chão, qualquer coisa que o revista de modo que dê continuidade ou à composição do ambiente ou ao restante do que é chão casa adentro: madeira, granito, cerâmica, cimento, resina, terra. a decoração do quarto vai ao gosto psicológico e estético do dono (do quarto, mais sintônico; ou da casa, mais distônico): ensaiam-se estantes, bancadas, escrivaninhas pelos vãos; tapetes e almofadas a concentrar conforto e sujeira; quadros, estantes, às vezes espelhos, a ocuparem os vazios das paredes (algumas se escondem em belos envelopes de papel adesivo ou por trás de armários). mas dentre a mobília comum, encontra-se uma indispensável e, portanto, essência e necessidade: o faz de um quarto um quarto é a cama. retiram-se estantes, bancadas, mesinhas, o quarto prevalece. tapetes, pufs, o quarto prevalece. quadros, armários, espelhos, o quarto prevalece. retira-se a cama, o quarto se descaracteriza. o quarto, sem cama, não é quarto: é cômodo. uma cama, sem quarto, não é cama: é leito. perguntar o que se faz em um quarto é perguntar o que se faz na cama. descansar (deitando-se ou sentando-se), dormir (costumeiramente deitando-se e esperando), transar (sozinho ou acompanhado), comer (a transgressão é de ordem higiênica), são respostas possíveis. a relação quarto-cama pode ser atingida em um nível linguístico em inglês: bedroom. em alemão, atinge-se um componente psicofisiológico: das Schlafzimmer. a relação quarto-cama-dormir determina para além do compartilhamento das funções biológicas vitais: aponta-se para a organização libidinal que se exerce em torno da cama: no quarto do casal, espera-se uma cama que caiba mais de um; no quarto do solteiro, espera-se uma cama que caiba apenas um (mas suficientemente estreita para caberem, por vez ou outra, mais de um); no quarto das crianças, camas individuais e pequenas conforme a suposição de sexualidade ali presente. no quarto da empregada, espera-se uma cama desconfortável e de difícil acessibilidade, dado o apinhamento de outras mobílias de utilidade duvidosa, etc. o quarto ascendido à privacidade também é chamado de câmara ou alcova. uma cama, ascendida à ordem pública, chama-se democracia.

4 de novembro de 2014

chuva no horizonte:
de volta. cheio de sol,
ao sino sem som.
o ônibus que passa na esplanada