25 de fevereiro de 2021

à mesa

já que aqui estamos
sentados (civilizados?)
ou ceamos com alegria
ou somos a refeição

13 de fevereiro de 2021

da hora incerta surge o certeiro fato:
(abóboda rubrorroxa caindo em negrume)
nas manobras da vontade incógnita
volante, de toda crença, divino?
se impõe, contra o sopro, uma aspiração
que sorve em cálculo inescapável a chama

nas lavouras do setentrional desejo, palmas acima,
(vaporosos hálitos subindo da chuva vespertina)
anuncia o pássaro distante da terra amornada de sol,
enquanto tudo, no curso do ordenamento riscado,
se resfria aos poucos e cede granulosamente ao pesar:
fogo-apagou, fogo-apagou, fogo-apagou, fogo-apagou

descansada a enxada, recolhido o chapéu, dividida a história,
o agricultor (teto fosco acendendo em pratazul)
ruma poente ao poente: a ceifadora unge seu báculo;
o povo se reúne, pelo corpo plantado; falam arados de dor,
lembram tempos que lembram alegrias. findo o dia,
restam todos (ela à espreita) sem compreensão

4 de fevereiro de 2021

hermeneuta afetado traduz the lamb de william blake

perguntando ao animal sobre seu criador, blake dá continuidade à sua investigação sobre a origem das coisas que compõem o mundo. inquirindo o símbolo da pureza e inocência, supõe tais atributos ao primeiro período do ciclo da vida humana, compondo seus versos de metro bem ritmado como quem compõe cantigas. afinal, o universo das cantigas infantis e, por extensão, as crianças são o público-alvo perfeito para o enquadre da pedagogia poético-cristã de blake. os refrões temáticos, desveladores de seu método filosófico, quando, no fim do poema, transformados em um fecho religioso que responde o questionamento inicial, decaem do empenho da razão que antes se realiza na dúvida e na meditação sobre a incerteza à então alegria da alienação às altas crenças da religião cristã. o imaginário campestre (o riacho, o campo, o pastoreio, o cordeiro, a brancura da lã, o balido), o deus que nomeia a si como um eu semelhante encarnado em uma criança ("Façamos o homem à nossa imagem, con­for­me a nossa semelhança") são emulações da felicidade extática e divina encarnada na vida penosa e humana: contra a urbanidade e a mácula ocasionada pelos vícios estão o bucolismo e a ignorância: a infância. contra o vácuo do não sentido por trás de todos os nomes está o nome superior de deus em todos os cantos designados, pela sua ternura: meninice onomástica. dada a modernidade e seus desdobramentos, há aqui um ponto de inflexão: não há, segundo a própria tese do poema, um nome próprio que não seja nome de deus. assim correspondemos todos à sua universalidade indexadora. diante da providência divina a que blake nos faz tributários, somos todos, a despeito de qualquer apreço à fixidez das identidades e às formas de ser e existir possibilitadas ao longo das épocas pela cultura, agni dei. já que nenhum signo escapa à vontade divina, resta-nos, portanto, balir, cativar o amor dessa instância superior para que não nos amaldiçoe com agruras e tragédias. resta-nos, fadados às delícias dos pecados, querer porventura a benção. cantemos!:

O cordeiro

Ó, cordeirinho, quem lhe fez?
Você conhece quem lhe fez?
Deu-lhe vida, o alimentou?
Junto às águas e sobre os campos,
Deu-lhe tecido de brancor,
Macio brilho, pura lã!
Deu-lhe tal frágil voz: balir,
Pondo o mundo inteiro a sorrir!
Ó, cordeirinho, quem lhe fez?
Você conhece quem lhe fez?

Cordeirinho, eu lhe direi,
Cordeirinho, eu lhe direi!
Pois, também chamado Cordeiro,
O seu nome chama Seu nome:
Ele é meiguinho, ele é bom,
Fez a si um bom garotinho:
Você cordeiro & eu menino
Nos chamamos todos Cordeiro!
Cordeirinho, Deus abençoe!
Cordeirinho, Deus abençoe!