26 de novembro de 2016

hermeneuta afetado e a tradução de l(a de e.e.cummings

em uma celebração confusa do gênero, l(a se situa próximo à aporia e à desvirtuação do poema. equilibrado entre o haicai vibrante e a ode sem canto, apresenta a natureza de forma assubjetiva em seu tema e seu conteúdo. ainda que lírico, atinge uma imparcialidade discursiva, alcançando a descrição do fato puro, cheio de números e designações fixas, ainda que indefinidas. como característica do autor, pode-se identificar o apreço pelas formas tipográficas como recurso estilístico de analogia ao desenho do mundo, considerando a impossibilidade de representar a imagem por meio da interferência, no fio do verso, dos sinais gráficos. assim, tendo a ausência como voz do poema, revela o verdadeiro nome das coisas por meio de uma folha caindo eternamente. simulacro vivo da natureza humana, esta folha em queda surge brincando sonoramente (la-le-af-fa) no poema e é impossível de ser traduzida com a preservação de suas ludofonias. também, no quinto verso ("ll"), é possível ler, conforme augusto de campos sugere em seu livro, uma pausa em ícone, reforçando a quietude cíclica da folha que cai ou a solidão compartilhada de um a um. para suprir tal luto de sentido, optou-se, na tradução, por se centrar no movimento da queda por meio de uma supressão gráfica e uma modificação morfossintática (verbo por advérbio; predicador verbal por adjunto adverbial). para tanto, elegeu-se a reprodução da imagem estática encarnada no apóstrofo que sinaliza crase e pende de um grafema (ou, vá lá, um grafema pendendo de um apóstrofo). os diversos uns (substantivo, pronome, numeral) presentes na versão original surgem discretos na tradução; se comparados, em quantidade desigual. mas sabemos que não é (somente) isso que se traduz. torço para que o aspecto humano, fixando-se na forma incerta do tipo, encontre-se cadente e soli(d/t)ário em sua possibilidade de leitura à proposta desta tradução:

s(uma

fo
l
h

a'

baixo)
ol
id

ão

3 de novembro de 2016

sin rumbo

quando você me vem todo machucado de tanto escutar dificuldades sem predições, sem considerar a minha impossibilidade de receber você em tais ânsias, sofro a violência do seu desamparo por me lembrar do meu; quando você me vem todo vulnerável diante da agitação do mundo, esperando companhia para suas idas ao chão do sentido em busca de algum sossego para este desconhecimento, faço esforço para me manter em pé, por fora, firme na idéia alvejada de que seus pedidos não são para mim; quando você me vem todo adoecido por falta de caminho, acusando que nossa solidão fez de um hábito alguma religião, sem promessa de grandes dogmas ou mudanças, quase resisto, reconheço que sigo sob feitiços e que nada posso contra a doçura feminina que coleto na sua voz.