19 de agosto de 2012

não sei se já ouvi essa música em algum lugar, tive a estranheza de que já havia passado por um momento em que eu a escutei, uma familiaridade que não sei se vem dos meus ouvidos ou dos seus, a voz desse homem é tão bonita, tão triste, como se rezasse cada palavra cantada em uma salvação de quem ouvisse, será que ele mesmo se ouvia, é uma lembrança sem imagens, só sensação, senti cheiro de vento, vi paisagem, gosto de sopa, dedo encerado de tanto percorrer pelos seus ouvidos, língua minha não mente, só treme, mas que música, como a ouvi para ter me percebido assim, tão próximo ao que eu poderia chamar de conhecido e mesmo assim, mesmo assim não tive tato, mão minha mente sim, mão mágica, você bem sabe  seus ouvidos, meus dedos são prova, e no final não faz diferença, minha língua treme na sua, assim conversamos, assim conservamos não sei qual assunto, que música é essa, assunto que sempre se volta aos nossos corpos, prossigo, corpo é uma palavra sutil, que cria espaço pra acontecimento, que sorriso bonito, deixa de silêncio, não sei ler o que é para ser lido, pra quê voz quando se tem cama, minha língua treme na sua, minha mão treme na sua, mas assim conservamos o assunto, delícia de música, parece que já a ouvi em algum lugar, você conhece esse homem da voz triste, ele houve?, que tragédia após cada palavra, que delicadeza de sorriso, essa luz não deixa a situação mais sagrada, você vê milagre em qualquer movimento e acha que é luz, ambiente, já pensou se faço circo e solto fogo pela boca, língua minha tremeria sozinha, feliz eu e fogo, você só assistindo, que vida de merda ser fundo, queria um chá para acompanhar esta música, pode deixar o pires, pires é pra quem precisa de chão, sempre tive idéias, não preciso, que absurdo, essa liberdade toda para me defender de não sei o quê, o negócio do pires é a felicidade, só é feliz quem é raso, que merda, já ouviu essa música, é tão mistério, antiga que só, mas parece que, por ouvirmos agora, é familiar, é de dentro só que sem amarras, sensualidade pobre de batom vermelho, mas me diz, o que vai ser da sua língua, a minha sossega fácil, acha outra, mas o que vai ser da sua vida naquele corpo sem imagens, só vento, paisagem, gosto, quero a confirmação dos meus agouros, já não repeti, que música, que voz, que homem, nunca ouviu essa música, não gostou, então faz assim, fique lá com as suas familiaridades, as músicas que você conhece, fique lá com elas e, pelo corpo que tenho, prossigo, pelo espaço que tenho, prossigo, digo que acho de uma pobreza enorme reduzir seu amor ao quatro do los hermanos.

13 de agosto de 2012

História da humanidade

O novo povo povoa o ovo.
O povo ovo povoa o novo.
O novo ovo povoa o povo.

2 de agosto de 2012

Ocorreu-me ao ouvir Elis & Tom

pra quê dias claros quando a claridade se ergue espontaneamente por meio da alegria repetida da janela?, pra quê solidão quando o solo é o grilhão mais firme do eter.n.izado azul acima?, pra quê amor quando o que se prolonga é a promessa de vida no coração?, pra quê espera quando se sabe de cor o movimento dos ponteiros certos sobre o relógio?, pra quê sorriso quando o riso é só? pra quê entardecer quando a duração não faz mesura ao tempo?

silenciados estávamos e permanecemos até que ouvi o desespero por pedra no momento com a fala mais ambígua, o corpo à disposição dos prazeres criado não soube o borrão fronteiriço com o obscuro: cedeu. quebrado o encanto, o distante de cada eu compartilhado em um nós, acordamos em ficar o dito e o redito por não dito.

vim fêmea, uterina, toda em flor, cheia de pressa para ser presa. e depois predar. toda enfeitada de brinquinhos, sorrisinhos para o caminho mais fácil, toda amor que chegou para dar o que ninguém deu pra você. no escuro, fiz-me a mesma raiz nutridoura que se assemelha tanto aos seus pêlos. fiz-me caule, suporte não sei do quê, se de minhas bobagens, se de suas esperanças - que lenhei na primeira oportunidade com um não sou dessas, meu amor -, mas caule fui para provar da dureza em transportar o alimento, fiz-me mãe assim, como quem brinca de árvore. belíssima. fiz-me fruto da própria casa, abri as portas, mordi os lábios e disse que venha, meu amor, não sou dessas mas posso ser por amor, meu amor, posso ser fruto, portar sementes, meu amor, posso ser raiz, tronco, fruto, flor aberta, meu amor, mas me dê a água.

cri, por algum olhar sedento seu, que era a natureza toda incorporada, sem cair nos desvios de pensar que era só produto fácil, mais um menos um, tanto faz, por tanto me fiz. errei. cri, por algum cheiro, que neste corpo só andariam águas minhas, que teria um nome e seria também o meu, um só sendo dois, caída nos desvios de pensar que era única, belíssima, amada, maculada pelo dedo perfeito que se afundou com tanta pressa pelas portas que abri. pura, cri em uma ilusão que é só desilusão, toda falante de uma língua da qual não entendia bem mas que fingi por você, se imagem ou idéia não sei.

então tive a claridade: um sonhador tem que acordar. abri os olhos com força, mas que adianta olhos abertos e os outros sentidos fechados? vexados? que amor absurdo me sustinha toda elevada, sem amparo algum além de ter a certeza de que seria socorrida na próxima queda?, porta adormecida ou não, o sorriso na boca com língua dura estaria ali aberto, a esperar não pela certeza, mas pela disposição em servir-se da minha fruta avermelhada, servindo-me de chão.

mas como amar sem o quê nem a quem, amar o amor sem recorrer ao corpo, à língua, ao nome bonito que dei ao que se fecha em amor? como amar sem fazer feliz a quem se ama? quando os corpos pendiam após respirar juntamente na profunda jornada do prazer, que perturbação de pensamento me mantinha toda acesa, querendo prosseguir, cansada, destituída da força para conduzir ao certo (que certo é este que tanto busco? tão certeira minha crença que não há acerto, abrindo o absoluto para me ver relativa nas vésperas de não acontecer nada). fui sozinha ser raiz, caule, fruto - flor já era desde que nascida -, atingi o que você julgava ser felicidade, que sempre chamei de ignorância, fui feliz nos seus modos, ignorante nos meus, disse que amava. mas como amar sem me sentir coisa?

pus pressa na respiração, queria vida, e tuas mãos foram minhas com calma, tocaste a fruta agora livre, agora maculadíssima, bela puta que sou me fizeste. feliz. translúcida. aguada. foste tu que riscou o caminho no meu chão arenoso com teu traço? que contato com o obscuro: lá me era tu, sendo-nos aqui.

que janela aberta era passagem de luz já sabia eu desde mocinha. que esta mesma luz me atravessaria com a mesma calma da mão sua já sabia eu desde mocinha. que trago o peito tão marcado pela imaginação em ser preenchida pelo amado meu já sabia eu. mas, ai, que triste é a experiência com a realidade: a dor de ter a fruta mordida é tão próxima do prazer que me elimina, tão adornada de minhas vaidosas limitações - lembra, não sou dessas, meu amor -, tão atravessada e submissa ao sexo amado.

com pesar novo, desfaço-me agora do velho frente ao recente: veio-me outro homem. chegou, sorriu, venceu, depois chorou. manso, sem de qualquer pretensão, chegou com os dentes todos encerrados na boca, sorriu com os olhos - já viu isto, sorrir com os olhos? -, não resisti: dei-me por entregue, vencida a qualquer sedução que me retorne à experiência de ser preenchida, atravessada, suja, puta mais casta não há igual, dou-lhe permissão de se ofender pela minha liberdade. mas o choro deste novo macho é compromisso maior: a água que vi dele caindo não era minha. e só assim poderei ser nós com este novo meu.

ó, meu bem amado, novíssimo, tão superior por si que não preciso de entronizá-lo. posses poucas, concordo com sua crítica antiga, mas é posse renovada, sexo diferente do sexo seu, preenchimento diferente do preenchimento seu, língua diferente da língua sua, apesar da mesma textura.

e agora rancor seu me atinge por vias que nunca pensei vislumbar. que branquidão forçada no horizonte me insiste em rememorar o antigo amor eterno da minha vida, o infinito parado a se aproximar, fazendo-me acompanhar a cor do mar. mas já depois de tanta história molhada, de tanto sal que me veio pela sua boca com palavras mal medidas (quão doce me fazia para recebê-las), lanço-lhe a pequena maldição para me proteger: no encontro do rio com o mar, qual o tempero da água?

espero que você perpetue sua felicidade ignorante em outro colo, em outro útero quente, frutas tesas existem aos montes pelos pomares do mundo. e que, de repente, olhe para trás e veja o resto agora carcomido que você pousou ao perceber que não seguiria minha agudeza acendida de quem há muito respirou só. tenho o perdão guardado para quando sobrepor sua hombridade em se curvar a uma mulher.

não se ofenda só porque um amor tão puro carregou meu pensamento. existem caminhos diversos em que você poderá se enveredar para dar cabo ao seu tormento. não se ofenda pelo sofrimento que o levará a transpôr suas rotas por caminhos mais comuns, compartilhados por toda gente. o que sente agora não o torna único; abra mão - assim como me abriu.

quando aberto, verá a si vivendo dias claros, em frente a uma janela, amando não se sabe qual sol, preso a uma liberdade que o mantém abaixo do azul, sorrindo como quem sabe as horas. e então, espero que lhe surja a única pergunta que nunca fiz: de que serve a tarde?