9 de agosto de 2022

existem muitas noites dentro de uma noite: confinado à sua mortalidade, aguarda a chegada da aurora. a saúde, afinal, é um meio para a alegria. diante de seus olhos de fenda ulula alaranjado um par de asas que não lembram liberdade. dilatados, confessam o instinto: caça, entretenimento, fome. regido pelas circunstâncias de seu corpo, uma vida outra passa reluzente em meio à sua penumbra pendular de satisfação e sofrimento: a vida é curta, os minutos, porém, são longos.

fixado na visão do inseto volante, o gato espera paciente. espera a boa hora, dado a meditações sobre a natureza do alimento-brinquedo ou sobre a doce ilusão de que sua forma lhe ultrapassa: "uma borboleta não sacia uma existência, mas com que pirotecnia suas cores, seus movimentos antes de ser morta". ou: "uma borboleta até poderia saciar uma existência, contanto não seja apenas uma!". um jardim de borboletas: um paraíso, um tédio.

no salto para a captura, desponta no horizonte um disco branco a contragosto de qualquer vontade: imperam este enigma à perspectiva, esta ausência de verbo, esta senciência que não se nomeia, esta impenetrabilidade paradoxal, esta submissão negociada. diante do banquete, nenhuma metáfora à altura para expressar como é bela a manhã; e a fome, a sobrevivência e a fé são aliviadas, ainda que momentaneamente, pela mastigação.