12 de junho de 2013

(vô, lembra de quando íamos à sua casa, casa da vó, mas também sua, nas visitas felizes de quem morava longe, e a gente tomava mineirinho no gargalo da garrafa de vidro, o gosto dos marques e deixes da nossa família, deixes que vinham nos barquinhos de jornal que era um hábito antigo seu com meu irmão, vô, e que eu não via muita graça, e o aparador em frente à mesa da televisão, visão mais futura do que seria a família e que ninguém saberia dizer por quê, e o aparador cheio de barcos, lindos, seus, que nunca acessei para dizer nossos, não sabia fazer barcos de papel, só avião, mas mesmo assim, vô, mesmo assim, participava daquilo, via os barcos montados e me angustiava, aquele hábito que não era meu, nunca acessei, me endereçava e interessava pela programação triste da tv pra fugir dessa emoção toda de ter a nossa família unida, eu, você, meu irmão, meu pai, você mais sincero se dava aos choros, sem nenhum soluço, vô, por que não deixar sair a fala?, e eu me assustava, pai do meu pai aos choros, todo comovido, que homem, acabamos todos assim, que será que ele segura?, e entendia a sua seriedade de sempre, é não deixar sair para a coisa se perder por si, é preciso resistir, vô, é assim mesmo, se sair água, os barcos vão embora, aparar a dor além dos nossos lugares de irmão, filho, neto, pai, homem. então segura, vô. e me desculpa hoje, que hoje eu choro também, e me desculpa hoje, que eu seguro também, e me desculpa hoje, que sei fazer barcos de papel, e me desculpa hoje, que compro mineirinho no supermercado e bebo sozinho, e me desculpa hoje, que hoje não sou o da visão do telos.)