3 de dezembro de 2013

vóz ii

devido à distância próxima ou à proximidade distante, as visitas que eu lhe fazia aconteciam poucas vezes por ano; quando ela se acidentou (subindo as escadas que ligavam a cozinha à sala da televisão), fraturou um pedaço da bacia. a mobilização das filhas, o desespero momentâneo, alvoroço e horror à possibilidade de "ser agora" (quão inédita é a morte?). um acontecimento que não sei bem como de fato foi e que me foi tardiamente informado. numa das minhas visitas, sua narrativa (macerada por minha memória e criação) ao ser perguntada sobre o que aconteceu: estava indo para a sala, quando um lance, uma tontura, uma confusão (tinha labirintite "e suas vertigens") me tomou; caí. ficou tudo branco. o tempo parado. eu parada. esperando socorro. tentei gritar, mas não saía nada. muita dor. até que então eu vi que estava bem acompanhada enquanto esperava alguém aparecer e me acudir: no canto da sala, a morte. olhando bem de perto o fundo dos meus olhos. a um palmo de distância. nos cumprimentamos.

depois, um desgosto particular se arranjou: nunca mais pôde ir à cozinha da própria casa.