23 de janeiro de 2014

vóz iv

o tédio dominava alguns de seus dias. quando transmutado em ócio, produzia proezas de casa e de pensamento. sobre o pequeno altar que fundou no seu quarto (e que posteriormente virou "o lugar dos remédios", os objetos sabem mais bem da função que ocupam do que nós): essa janela pequena nunca me serviu pra muita coisa. tive uma idéia. casa antiga, parede grossa, muito parapeito:  fecho a janela, pinto de azul por dentro, faço um altarzinho. a imagem da virgem santa já tenho. faltavam o fundo azul e as nuvens brancas. eu mesma que fiz, peguei bucha, tintas azul e branca, saí desenhando. sabia que as nuvens são classificadas a partir das formas e dos jeitos que tomam no céu? cumulus, nimbus, cirrus, stratus. não lembro bem o que cada nome é o quê, mas lembro que existem combinações também; as classificações são várias, se está muito espalhada, se está muito densa, se está muito próxima ao chão, assim vai. quando a gente olha pro céu, não desconfia que existe um sistema difícil pra essas belezas e brancuras que estão lá. chega a ser inútil saber dessas ciências, porque não serve de nada na minha vida de gente simples. mas saber isso envaidece. e as nuvens estão lá, sempre estiveram, pra quem sabe cumulus-nimbus-cirrus-stratus, pra quem não sabe. não estou desprezando os conhecimentos; no fim não faço muita diferença entre o altar ou a janela. mas acaba sendo uma metáfora sobre a vida: saber ou não das nuvens, saber ou não da vida: as duas continuam lá.