22 de fevereiro de 2014

(estávamos todos sentados em círculo. era um dia qualquer, em que cada aluno lia uma frase do texto - a história de um sapo que foi a uma festa no céu. iniciados os turnos, eu acompanhava e media o desempenho dos outros, orgulhoso e inseguro nas vésperas do meu momento. o professor coordenava o curso das falas, enquanto eu secretamente também o fazia. mas temia e rezava com violência para apenas que não me fosse dada a interrogação. não sabia entonar a voz duvidosa. todos os sinais gráficos me eram amigos, menos o da desconfiança. o professor era um homem rígido, sem pudor para corrigir de maneira amável. era um bronco. na medida em que meu turno se aproximava, horror: não estava pronto para ser testado na incerteza que um ponto-de-interrogação encena, que o acaso dos justos não se manifestasse em público, que o acaso pudesse esperar para me expiar em um ambiente de conforto particular. não pôde. o deus não atendeu ao meu desespero, precipitando o desgosto pela fé de uma vida inteira ao instante em que eu era confrontado com a própria ignorância. de tão insolente por julgar em silêncio, seria o alvo dos olhares e risos mais recriminantes."a fes-ta fo-i u-ma di-ver-são, mas to-das as a-ves se per-gun-ta-vam: o sa-po che-gou a-qui." foi o que eu li. o professor, destro nas humilhações, "o sapo chegou aqui?" com uma cara arrogante de quem aguarda resposta. eu, em transe com toda a miséria que me foi imposta, arranjei no riso um alívio circunstancial e repeti ao meu modo. e o pior aconteceu: o professor interrompeu seu prazer de torturador e me trouxe à razão incontestável da realidade que não consegui escapar: "você está rindo de quê? não tem nenhum palhaço aqui." todos riram de mim, inclusive eu, que deveria ter me amado nesta provação dos meus crimes de criança. assustado, ofendido em minha humanidade que acabara de nascer, suspenso em pouca idade, só pude retrucar com a sinceridade cabível: que não estava no circo, não, senhor, ria porque não sabia ler a interrogação. mais valeria naquela situação uma mentira do que o relato puro da minha fraqueza. foi como entregar o ouro. o homem explodiu, atacou minha ingênua iniciação no mundo, os nomes mais perfurantes do que qualquer rasgo na superfície do corpo. pivete. moleque. fedelho. pirralho. burro. estúpido. analfabeto. acalmado, se pôs a se perseguir por meio de mim, "acha que eu sou palhaço, é? acha? responde!". eu era pura derrota. não emitia som algum. ele, não satisfeito mas ardil, abriu mão de sua proposta pedagógica: pulou minha oportunidade de entonar o questionamento do sapo - que acabei amargo engolindo -, passou minha frase ao aluno seguinte e sorriu um olhar triunfante se dirigindo a mim ao ouvir um "o sa-po che-gou a-qui?". por vingança, me tornei o melhor aluno da turma. contra o acaso, nada pude.)