2 de outubro de 2015

o george michael não faria
essas coisas tão absurdas
de dançar sem gosto
de jogar com amores
não faria não tentaria
transgressões nem desafios
sem uma intenção inteligível
bem elaborada a mensagem
pela cintura e pelo corte da barba
futurista e penteado
couro verniz látex
sem medo do ridículo diria que
but if you're looking for fastlove
if that's love in your eyes
com remorsos de um passado
privado mas público

o george michael não faria caso
dos sofrimentos das despedidas
dos olhares prolongados
muito compreensivo com os desencontros
muito apegado aos cantos de parede
por fim curaria a si sozinho
me escreveria cartas de desculpas
em que fingiria umas verdades
apenas por puro apreço estético
entregaria na minha porta
black-tie e rosa na boca
dizendo que se eu quisesse
se eu quisesse
a gente podia sair para jantar
ou largar tudo e velejar
ou perder a tarde num motelzinho

o george michael não faria questão
de saber o que se passa
no mundo ou nos noticiários
sendo o homem frágil que é
ocupado com a própria sensibilidade
estaria entre cordas e correntes
amarras de um coraçãozinho delicado
não gastaria tempo buscando entender
o que é quem é como é por que é
mais preocupado em existir e viver
sem muitas profundidades ou filosofias
mas sempre disposto e em conjunto
casal trisal bacanal igual entre iguais
único jeito possível ou talvez ainda mais
os excessos sem dimensão do pior
sob um globo espelhado? ainda melhor

porque o george michael
este deliciosamente inventado e meu
de vida doméstica e fantasiosa
chão limpo geladeira cheia choros de madrugada
dancinhas e joguinhos cristalinos
só liga para mim
pra cantar e dizer com clareza
cedendo cintura e barba
guilty feet have got no rhythm
sem silêncios ou olhares dúbios
dizer que ainda está disposto
(e muito) apesar de
me espera pacientemente
todo próprio buracos em flor
sem black-tie
nas mãos a rosa rígida