29 de junho de 2021

estávamos, eu e você, em uma costa plana e calma, cuja administração ficava a cargo de um clube do governo, talvez do senado federal. íamos entre o nos conhecermos e um princípio de aproximação amorosa de muito respeito e gentileza. eu observava o seu corpo eriçado e justo, ainda que não pudesse ver seu rosto com clareza, e sabia que mais cedo ou tarde ganharia acesso à pele, aos fluidos. me sentia plenamente seguro em sua companhia, como se pudesse confiar as mais obscuras banalidades à sua escuta, sem temor ou reticência, efeito da certeza de que eram recíprocos o interesse, a abertura, o desejo. calçávamos meias iguais, motivo de riso, espanto. no saguão de entrada, quando nos despíamos para ir às águas da praia, uma surpesa: você se adianta em direção ao guarda-volumes, deixa seus pertences e parte sem olhar para trás, sinalizando o meu trajeto seguinte. a recepcionista, quando me aproximo, me interpela: "qual a sua conexão?": diante do meu desconcerto, informa que o guarda-volumes também é responsável pelas redes móveis do estabelecimento, talvez à espera de minha pergunta pela senha. digo que quero apenas deixar ali minha mochila com as roupas que vestia e, trajado de banho, vou rumo à porta em sua busca. sinto que a felicidade é possível nesse ambiente azulado, solar, sabático, afastado do mundo cínico, ainda que governamental; sinto que sua presença me serve de um descanso maior, a promessa do seu corpo a me trazer novidades, iluminações. o conforto existencial de se sentir querido e inviolavelmente amparado. até que, alcançado você, parado e olhando fixamente para frente, vemos juntos como um acontecimento no horizonte o pombal monolítico, soturno, vazio: descobrimos sermos feitos dessa mesma matéria da paisagem aquosa e disforme, contingenciada pela dissolução.