12 de dezembro de 2013

hermeneuta afetado em r-p-o-p-h-e-s-s-a-g-r de e.e.cummings

o poema. a impressão primeira é de que se trata de um poema cujo acesso é impossível. mas assim que se entende a operação acerca da criação e da estrutura factual que subjazem à obra, a prevalência lúdica do texto (que poderia muito bem ser taxado como infantil) dá espaço aos desfechos éticos que metonimicamente auxiliariam na configuração estética de escritura.

DA EXPERIÊNCIA
é tido como fato (se real ou ilusório, não cabe a discussão) que o poeta está a se concentrar (a esperar pela inspiração, alguns diriam) em seu quarto ou seu escritório, em frente à máquina datilográfica, em uma casa localizada perto de uma região de mato grosseiro no interior americano ou europeu, em um dia ou uma tarde ou uma noite quente de verão, mantém a janela aberta para se aliviar da sensação abafada que o clima veranil traz. é então surpreendido pelo animal invasor - o qual adquirirá por metáfora o mesmo valor de 'poema', metalinguagem fatídica - que se empenha estupidamente a girar e bater em torno da luz (que supõe-se também ser elétrica e se localizar próxima ao teto). tomado pelo susto de ter seu aposento antes calmo e aconchegante atormentado por um grotesco inseto em momento tão precioso, o poeta visa o teto a tentar identificar o objeto saltador que emite sons estranhos. juntando o estranhamento mais o esforço identificativo, a experiência do novo versus a cognição aplicada em vislumbre de categorias já comuns, acompanhando o voo do tal inseto que, ao pousar, num grande avanço ou salto, é nomeado: gafanhoto. um sorriso tranquilizante possivelmente se esboçou.

DA CRIAÇÃO
passada a tormenta, bonança: assim, a tal da idéia vem, ou não, e o poeta o consagra então como objeto de sua pesquisa poética. de início, vê-se, no primeiro verso, o movimento desconexo do gafanhoto (experimente ordenar as letras em "grasshopper" para consolidar a experiência estética com o saltear dos olhos em juntas as letras), seguido dos sons oriundos dos baques e pousos deste insetinho tão querido em sua oscilação (experimente pronunciar as letras separadamente para consolidar a experiência estética com o som primitivo dos fonemas exilados). tomado pela estranheza, who. dirige-se ao teto, para a luz, as we look up. busca identificar (gathering into) o inseto, PPEGORHRASS. não consegue, mas o movimento de pouso é ensaiado (a leap, as arriving), tornando o borrão sonoro (gRrEaPsPhOs) próximo às categorias de conhecimento da realidade; animal pousado, nome atribuído: grasshopper. linearmente rearranjando e matando a estrutura tipográfica do poema, tem-se: r-p-o-p-h-e-s-s-a-g-r: who? as we look up now gathering The PPEGORHRASS into a leaps: arriving: gRrEaPsPhOs: to rearranginly become: grasshopper.

DA ÉTICA
explicado o processo criativo e seu desfecho formal, resta a ética do poema e sua escritura. o animal, encarado aqui como totalmente outro, aparece em dois níveis: o experimental e o factual. ambos se cruzam como fenômeno, mas a alteridade é primária e pedra angular. em relação à experiência, pode-se afirmar que o poema eticamente adentra ao campo do humano por meio de uma aproximação tão costumeira do que é chamado de perspectivismo, mas aqui com uma particularidade: há, desde início, uma questão apontada no campo da criação, a saber, os recursos tipográficos para a formulação desta iniciação do animal aos subjetivismos do humano. não que não se tome o animal como sujeito (a ciência o faz muito bem), mas aqui ele comparece primordialmente como um outro em sua dessemelhança física, mas unicamente humano. enquanto fato, o animal sempre será doméstico (não há aqui confusão entre o doméstico e o domesticável; este se apresenta como dado a ver, primordialmente escópico. o doméstico, por sua vez, é concebido pela externalidade do que é intimamente próprio ao sujeito homem), independente de sua liberdade. o interesse como outro diz respeito à possibilidade de concebê-lo como não-eu, atendo-se à corporeidade distinta, mas em uma comunhão cosmológica primitiva. a experiência do estranhamento e seu subsequente nomear é uma boa ilustração do deslizamento da distinção desumana e anônima em convergência à aproximação a uma fraternidade comum, uma espécie de irmandade totalizante. tipograficamente, as letras maiúsculas, as pontuações que interrompem a frase, as rupturas morfossintáticas (nem sempre nas divisões desinenciais) das palavras, o espaço (e a forma do gafanhoto, se houve força imaginativa para ligar os desenhos das letras isoladas), a distância, em suma, os recursos formais da experiência de domesticação apontam à tese central do poema: o animal, sendo outro, preserva a estranheza das naturezas originárias e a familiaridade do laço humano.