21 de março de 2014

do punho aos pés vestida de negro, pele queimada de sol, cabelos em cachos brancos, a rainha e suas sacolas regem o mundo. a julgar pelo clamor de seus olhos, está cansada. atravessando lenta uma rua à outra, demorando-se em frente a vitrines comerciais em busca de uma decisão razoável entre comprar a morte ou vender a vida. passeando as suas sacolas carregadas de vozes e ninharias seriadas, alimenta lendas e rumores: ou viúva apaixonada por seu falecido homem, que era riquíssimo à sua custa e lhe tomou um por um os bens; ou professora aposentada do instituto de artes da universidade que trocou a academia por uma eterna performance; ou mãe abandonada pelos filhos que hoje a sustentam por um império de vergonha moral; ou mulher de família proveniente de uma grande depressão financeira que encontrou na rua uma casa; ou simplesmente a rainha destes terrenos, mulher sonhada por dom bosco, que pisa calçada com seus sapatos trocados a deixar rastros de curupira, guardando em silêncio o segredo da humanidade: que a loucura inflamada e a razão articulada são avesso e direito da mesma ordem.