24 de abril de 2014

detesto a leitura em voz alta de poemas.
detesto o tom de importância dado
a cada palavra pronunciada.
detesto a cadência e a decadência
de um verso saltado a outro.
detesto os olhos a acompanhar o fio do percurso
– e suas molduras de sobrancelhas em seleções
e arqueios de passagens ensaiadas, ganchos pensados.
(adoro os lapsos, os gaguejos, o nervosismo).
detesto o silêncio consentido do outro
para que enfim se performe o poema
e seja revelado um sentido
ao pé da letra ou ao pé do poeta.
detesto a modulação da voz de acordo
com o surgimento proposital dos jogos de linguagem,
sinalizando a esperteza, o espírito.
detesto a atmosfera cerimoniosa de vibração muda,
silêncio comunicativo, oxímoros vãos.
detesto a arrogância da leitura findada
e o pousar do texto nos ouvintes, teatro da sensação:
mãos recolhidas, queixos para o teto, para o chão,
livro fechado: todos meio abobados,
insinuando profundidade e meditação.