10 de maio de 2014

bercholina atendia ao sino que minha vó, acamada, tocava. chispava a gente da cozinha, mas adorava nossos abraços de misericórdia à sua feiura.
toinha me ensinou a fazer comida, limpar, varrer, passar, dobrar. me batia com chinelo.
maria fazia comida mais gostosa na própria casa (fritava bolinhos-de-chuva, punha louro no feijão). surrava os filhos por qualquer coisa.
antônia era completamente imatura: me ensinou a roubar no supermercado e levava a sério meu desvario de criança.
mara se deixava enganar por mim. arranjou um paquera no chat da uol e ficou horas no telefone de casa. foi demitida no dia seguinte em que a dedurei.
linda era discreta, mas soltava o gogó com o rádio ligado. era evangélica e se escondia por trás de deus.
rita era a mais querida pela família. chupava e rodava a dentadura na boca após terminar de comer – dispensava o palito de dente sempre.
maria josé parecia um passarinho de tão frágil. gostava de ver televisão e se impressionava fácil com os noticiários.
ubaldina varria o chão com força. era muito desbocada, o que divertia meu avô. fez um caldo com o zézinho, galo troncho de gordo que criei a partir do projeto de "consciência parental" da professora de ciências.
abadia fumava séria no pé da escada da cozinha, "tirando uma fumacinha". dava em cima do meu tio em busca de uma vida melhor, mas não conseguiu muita coisa.
mirena era muitíssimo amada. contava histórias do filho que fazia enfermagem e do marido que era caminhoneiro. chorava escondida de saudades.
ana se diverte com as desgraças da vida alheia e sabe conversar sobre ônibus como ninguém.

domésticas, diaristas, empregadas, diaristas, faxineiras, babás... o que escrevo de memória não dá conta de suavizar retrospectivamente o trabalho, muitas vezes duro e mal pago. posso, além de me desculpar um pouco, lamentar a vida junto, a partir desse lugar um tanto constrangedor de pessoa servida, às vezes opressora sem saber/querer, ou, pior, até sabendo. querendo, nunca. perdão. e obrigado. por tudo.