5 de outubro de 2014

o lago

passarinho que me fazia companhia enquanto esperava o dia passar falou que já passeou e namorou bastante. perguntei por onde. árvores, salas de aula, encanamentos, buracos no chão e no cimento. perguntei sobre as namoradas. disse que gostava de cantar, empoleirar como quem não quer nada, estufar o peitinho, uma semente ou uma pedrinha diferente que achou no chão já servia de agrado, mas que nem sempre dava certo. rimos. perguntou se eu já namorei bastante. disse que não, que deveria namorar mais, apesar de estar contente com o que já tinha namorado do mundo. perguntou como eu fazia. brinquei que gostava de cantar, empoleirar como quem não quer nada, estufar o peito, uma semente ou uma pedrinha diferente que achei no chão já servia de agrado, mas que nem sempre dava certo. rimos. perguntou se já passeei bastante. eu disse que não, que deveria passear mais, mas que estava contente com o que já tinha passeado do mundo. ele me deu uma bronca leve, dizendo que gente está sempre achando que deveria fazer algo a mais para viver. depois se envergonhou e disse que eu era um pouco diferente porque me contentava. perguntou qual lugar é o melhor para se passear. o mar. mar? passarinho nunca tinha visto nem ouvido o mar. falei que era um monte de água salgada e brava que se debruçava sobre a areia, bonito de ver e de ouvir e de entrar. fiquei constrangido de ter provocado a inveja. perguntei o que ele achava da água. passarinho sorriu, disse que era do que mais gostava: era para brincar, lavar, beber. rimos. pois então, no mar também! me corrigi dizendo que água é tudo igual, mas que, no mar, o bom é entrar, corpo todo afundado: um sentimento bom de pequenez... fiquei constrangido de ter provocado a inveja – de novo. dessa vez, não escondeu. ficou triste. para reverter, falei que o mar era água, e pronto!, só que muito mexida, parecia um lago em ventania. aí ele ficou feliz. de vento entendia. apontei. viu de longe o lago. aprovei. abriu bem as asas, mirando. nos despedimos.