22 de outubro de 2016

o dia em que vi um centauro

irritado por ter de ir à universidade, cansado com o excesso de cotidiano, distraído pela psicologia do ônibus, eu indo, como mais uma vez iria. fui temporariamente escolhido para sair do estado de apagamento que estava (quando me dei conta havia retornado à vulnerável condição de ser e ver comum) para habitar um espaço potencial entre a percepção e a realidade. tive de fazer força para fixá-lo no meu campo de visão. ele: em movimento, se dirigindo ao palácio da justiça na esplanada dos ministérios. se mostrou longe, borrado, como quem não quisesse ser descoberto. era negro na parte animal, branco na parte humana. as quatro patas e os dois braços ritmados em trote. parecia calmo pelo jeito que andava e se dissolvia. não pude perguntar quem era, que fazia ali, de quem descendia, de quais céus derivava sua sorte. se fugia como eu, se as histórias sobre quíron eram reais, se o conto de josé saramago havia sido fidedigno, e, mais importante, perguntar como dormia, se com desejo inconfesso de repousar as costas, e sobre os sonhos que tinha.